segunda-feira, 14 de setembro de 2009

SERTÃO D'ÁGUA

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continuação...

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Maria Isabel


Quase não deu conta de disfarçar, era ele! O sangue circulou mais rápido pelo seu corpo. Miguel pareceu perceber alguma coisa; olhou pela janela demoradamente como se soubesse tudo. Duraram uma eternidade aqueles momentos. Os olhos de Maria Isabel se encheram de lágrimas, com custo controlou para não derramá-las. Mas o pensamento não controlou, as lembranças invadiram o momento. Sempre tivera medo de vê-lo novamente; medo do que estava sentindo agora. Sabê-lo tão perto era como se o tempo não tivesse passado e a vontade era correr para seus braços.


Lembrava do dia em que ele aceitara seu noivado, naquele encontro cheio de tristeza e promessas feitas em silêncio; e lhe prometeu tanto...

Encontraram-se escondidos um dia após o casamento, enquanto Miguel cuidava dos preparativos da viagem para Manaus. Tiveram-se atrás da capela abandonada e ela não sentiu nenhuma vergonha quando os surpreenderam. A cidade toda soube, menos o marido que a família cuidou esconder.

O pai no dia seguinte solicitou transferência para a Matriz da casa aviadora em Belém. A mãe, até a mudança, evitava deixar as outras filhas sair à rua, envergonhada, mas ao mesmo tempo aliviada pelo genro não desconfiar de nada. Acreditava, com o casamento, ter separado definitivamente a filha daquele rapaz sem futuro. Mas Maria Isabel era obcecada por Zequiel e ele por ela.

As cartas que trocaram com a ajuda de Eleonor, o contar dos dias que os separavam do fim do ano quando combinaram, se veriam; e de repente a gravidez. Foi como se lhe dilacerassem, mas logo o corpo foi percebendo uma vida nascendo dele; juntando os pedaços, resolveu escrever pela última vez e nunca mais vê-lo. Pediu a Eleonor devolver qualquer carta que chegasse, mas nenhuma houve mais. Pouco tempo se passou, ele já a estava procurando por toda Manaus.

Para ela foi difícil, mas a mãe tinha razão: o melhor era esquecer tudo e nunca mais vê-lo. Mas doía sabê-lo desesperado, ficando horas em frente à casa de Eleonor esperando um encontro; depois, em Santarém, rondando a casa da família, perguntando por ela aos empregados, provocando a antecipação da mudança deles para Belém.

- Meu deus! Encontrá-lo por acaso depois de tanto tempo? Pensava, enquanto o marido sonolento encostava a cabeça no seu ombro. Queria não sentir nada naquela hora, só tê-lo na lembrança, sem saudades como se aquela parte da sua vida estivesse morta ou esquecida no tempo.

Quando as lágrimas lhe encheram de novo os olhos, o choro da filha procurando seu seio lhe devolveu o pensamento à realidade. Percebeu a noite tingindo a margem, o marido dormindo insciente àquelas marcas que por um momento sangraram doridas e caladas. Enxugou a única lágrima que caiu olhando com ternura a filha que amamentava. E sorriu.

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continua...

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