Não sabia mais distinguir o que era real do que imaginava, mentia a todos.
Aos estranhos, com requinte de absorver o ambiente, o momento e o tema da conversa e usar a sutileza para parecer quase um ingênuo. Quando conhecia o interlocutor, observava a reação e conduzia o que inventava por entre a perplexidade e a desconfiança do outro de maneira a parecer só amplificar verdades, fantasiando a narrativa.
Um dia contou que tivera um enfarte, passou a sentir uma opressão no peito que durou quase um ano. Noutro, que tivera uma grande paixão pela atriz, ficou anos sem poder tirá-la do pensamento.
Contou que já freqüentara um culto religioso e que falara “em línguas”, tinha certeza de dominar o aramaico quando estava em transe. Passou a ter impulsos recorrentes no meio das conversas, gesticulando e falando um amontoado de palavras inexistentes.
Um dia, ao ouvir a experiência de uma médica espírita sobrevivente de um acidente, contou ter ficado em coma durante muitos dias, ter visto um grande clarão e sentido a presença de dois seres parecendo anjos.
Naquele mesmo dia, o motorista que o atropelou fugiu do local e ele foi socorrido por dois mendigos, mas já estava morto.
A morte não sabia que era tudo mentira.
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MQ
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