quarta-feira, 25 de junho de 2014

ORAÇÃO DE FLORESTA E RIO - MQ

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oração de floresta e rio

 

canto de abertura (canto da terra)

 

 

a floresta range

num rio dentro de nós

o rio  ruge

na floresta aqui em nós

orai por eles

orai por nós

 

sons de lendas

visagens que ardem

rogai por nós

 

mãos postas em desafio

vento  indo

rodopiando as direções

da hora norte

rogai por ele

zelai por nós

 

corpos em eito de águas

impregnados

escorrendo

anchos

esquecidos

orai por eles

rogai por nós

 

alma de floresta

esfarrapada pungindo

orai por ela

rogai por nós

 

alma de rio

se amiudando

sumindo

orai por ele

rogai por ele

zelai por nós

 

afluentes homens rios

calados passando e

vendo passar

 

leito lodo ruindo

homem vindo

da aridez de mãos tardias

e intenções vazias

bisbilhotando

escolhendo

vindo

vindo

 

a floresta range

num rio

o rio ruge

na floresta

urge

urge

 

juntai os homens rios

das margens e matos

com seus calos

e terçados

 

juntai seus afluentes

em estridência de águas

suas chuvas

em emoção de pranto

 

juntai sementes em

húmus férteis

maternais

 

juntai seus habitantes

mais primitivos

sabedores dos seus

mistérios

seres rudes

mas racionais

predadores de mãos

limpas e férteis

 

juntai floresta e rio

suas entidades

suas lendas em  labaredas

o espírito dos seus

mortos

que vivos

estão impregnados

nas suas águas solidárias

no seu verde calado

 

e quando todos juntos

estiverem na oração maior

que é reunir

somente um grito será dado

escolhendo com as entranhas

 

o que se quer daqui


 

canto da alma da floresta

 

 

resulto em harmonia

no corpo esparramado

esfarrapando

tocado pelo sol

possibilitando  ainda

nascentes

vidas

 

resulto da esperança

de habitantes

em convivência

de chagas lacerantes

que cubro toda noite

com uma colcha de estrelas


 

canto da alma do rio

 

 

do ventre

que venho

o ventre que tenho

traz saudade

da nascente

mas em abraços

recebo contente

todas as águas

que correm em mim

e toda a ferida

que purga por dentro

quando rebento

na angústia de desaguar

se cura no sal

que me é sina

de sempre encontrar


 

canto dos afluentes

 

 

seiva silenciosa

matando arredores

deixado nascer

o verde e o maduro

conduzindo o homem rio

servindo-lhe mesa farta

ensinando aonde ir

 

seiva silenciosa

canto dolente

afluentes

que depois viram braços

entrando

alimentados

e alimentando

fertilidade

 

vão indo

convivendo

semeando

seiva e silêncios

com seus gritos


 

canto do vento

 

 

tece os espaços

leva no ar

o bico dos pássaros

canta

mensageiro de

sementes

em vôo livre

escolhendo

e se soltando

em liberdade

de pé de vento

e rodopio

misturado em desalinho

nas copas

nos caminhos

desfazendo pontaria

espalhando gestos

e intenções de assobio

rindo


 

canto das margens

 

 

sou lugar de chegar

e partir

 

sou paralela

ponto por ponto

 

às vezes,  me aproximo

e quase beijo

receosa,  me afasto

mas desejo

 

sou assim

indecisa por inteiro

nunca me afasto tanto

da outra margem

de mim

 

todos me querem

desde o olho d´água

pensando que me divide

até o outro lado

que tanto insiste

 

mas sempre faço convite

quando espraio

em sedução

 

sou também estrada, limitação

corro em águas

com a alma dentro do chão


 

canto da chuva

 

 

sou inesperada

e gosto assim

caio ou me espalho

onde quero

 

às vezes, sou mansa

e acaricio

 

noutras, me desalinho

inundo

 

vivo no ar

mas no fundo

gosto mesmo

de dar de beber

de embriagar

encher os rios

escorrer

fertilizar


 

canto da semente

 

 

broto pelos cantos

corro em bicos e corpos

voando

 

sei nadar

sonho em frutos

e viro galhos

entrelaço

crio espaços

quero o sol

 

sou o pólen no labor

em mistura

de flor

 

semeada

dou-me inteira

sustento tua boca

abrigo-te sedutora

 

quando me busco

sozinha na terra

luto bravamente

pra ser de verdade

semente


 

canto dos animais

 

 

no rasto

no risco d´água

na intenção de céu

em invisível caminhar

também semeamos

nossos universos

somos muitos

entre floresta e rio

em palmos

e gotas

no equilíbrio

de nós mesmos


 

canto dos corpos

 

 

sou bainha que recebe

a lâmina fria do terçado

de terça a terça

de todas as semanas da lida

vivo

espetado na exuberância

que a simplicidade não imita

sei andar

navego

e tenho liberdade dos gestos

de conhecer até a próxima curva

 

sou negado em generosidade

de peixes e frutos

no desmazelo de quem me aparta

 

sou também a conformação

inconformada em mim mesma

imito a floresta e o rio

crio histórias pra esquecer

lembrando

quem posso ser, sendo


 

canto das lendas

 

 

caminho

das histórias

de boca a ouvido

passando

de ido a indo

pra  memória

de quem virá

 

verdadeiro

relato que é

possível contar

na palavra que

engole os rios

e faz a floresta

sonhar


 

canto dos mortos

 

 

zelai por nós

em nossa hora futura

 

vós que sois o húmus

que esterca floresta e rio

com a vida morta

de vossos corpos

em brio e semente

 

vós que com o espírito

em prantos

quer por essa terra

tão pouco e tanto

 

vós, com vossa voz

ancestral

nos ensina a cantar

nossos vivos

 

vós que fostes

resplendor

possibilite essa referência

ensina-nos a rezar

por todos nós


 

canto das mãos

 

 

santas que no remar

gestos de oração

rogam por nós

 

mãos que pedem

padecidas

que manuseiam

e se doam

que abraçam em colheita

mãos que ferem

fenecendo

e que benzem

cortam

e são cortadas

que protegem

e que agridem

 

mãos postas

em carinho

ou em calos

na noite do teu corpo


 

grito dos reunidos

 

 

gritamos a hora norte

 

da harmonia

possibilitar

 

da convivência

acrescentar

 

das feridas

cicatrizar

 

das cicatrizes

só lembrar

 

gritamos na hora norte

escolher

limitação

 

conduzir

fertilidade

 

sustentar

nossa busca

 

e buscar

nosso destino

 

gritamos em hora norte

que venham

somar e multiplicar

a nossa generosidade

 

gritamos a hora norte

na história

do nosso canto

 

o sonho

também de nossos mortos

que trazemos

por entre as mãos


 

canto final (canto da terra)

 

 

nossos corpos

puros na impureza

de reinar

em floresta e rio

 

nossas mãos

vento e chuva

em floresta e rio

 

sementes

de afluentes

nas margens

reunidos

 

com quem vive

e vem viver

com quem morto

vem morrer

 

com quem cantamos

e canta nesse  grito

 

o que se quer daqui



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