quarta-feira, 20 de outubro de 2010

WANDA MONTEIRO


.
ONDE FOI PARAR A MEMÓRIA DESSA NAÇÃO?


Imaginem um tempo no Brasil e que a Palavra ficou de quatro. Isso mesmo, no fatídico ano de 1964, a palavra, sob o julgo de metralhadoras e sob o comando de fardas de muitas estrelas, ficou de quatro. Nesse tempo, a Palavra foi cassada e decretaram o SILÊNCIO, e apenas, aqueles que já nasceram de quatro tinham o poder e o comando sob a palavra, só eles, os Censores, decidiam e determinavam o que podia ser dito, escrito e publicado. Imaginaram?


Imaginem um tempo, em que os brasileiros, reunidos numa grande abstração chamada Povo, se constituía numa grande massa humana, silenciada, subjulgada, acuada, e que caminhava, sob o efeito letárgico de propagandas subliminares e hinos carregados de pseudo ufanismo. Imaginem uma grande massa humana, caminhando sem respostas, sem rumo e sem esperança. Imaginaram ?


Imaginem um tempo nessa nossa amada Nação, em que a Nação deixou de ser Nação e passou a ser apenas uma abstração estatal comandada por um obscuro “Sistema”, um nome pomposo usado para vestir outro nome feio chamado Ditadura. Imaginaram?

Imaginem um pais, um estado, uma cidade, um bairro, vigiado e monitorado por homens fardados e que sob o comando do tal “Sistema” tomavam de assalto a cidadania de brasileiros, abordando, invadindo lares, prendendo, julgando e condenando, de forma sumária, milhares de brasileiros, sem lhes dar o direito de defesa e ferindo todos os preceitos constitucionais de uma Nação Democrática. Imaginaram?

Imaginem um tempo nesse nosso Brasil, em que eleições diretas e gerais, direitos sociais, conselhos municipais e estaduais de direitos, participação popular e protagonismo social, manifestações populares e políticas públicas dirigidas ao ideal de justiça social eram palavras proibidas. Imaginem um tempo em que todas essas idéias e todos esses ideais eram sumariamente abortados à força pelo tal “Sistema” e mais, que essas palavras eram proibidas de serem proferidas e publicadas, e que aqueles que se insurgissem contra a “Ordem“ e tivesse a ousadia de dizê-las, publicamente, eram, de pronto, inquiridos e recolhidos em cárceres até segunda “ordem”. Imaginaram?

Imaginem um tempo nesse nosso Brasil de muitos Brasis, em que milhares de brasileiros sobreviviam, sem voz e na mais absoluta ignorância de seus direitos, numa linha crescente e desumana de pobreza e de exclusão social. Um tempo, em que aparelhos e eletrodomésticos, carros, educação, e sobretudo, informação, eram coisas de luxo e se constituíam em privilégio apenas da chamada classe alta oriunda das oligarquias detentoras absolutas das benesses do poder que patrocinavam. Imaginaram?

Nos dá uma certa angustia só de imaginar, não é? Agora, imaginem o que sente, quem de fato viveu esse tempo, e ainda tem, viva e pulsante, essa memória de dor em sua vida?


Pois, eu vivi esse tempo. Milhares de pessoas, assim como eu, viveram.

Eu não esqueço de cada momento de angustia, incerteza e medo acontecendo com meu país, minha cidade, meu bairro, meu lar. Não esqueço de cada instante em que vi, ao lado de minha mãe e meus irmãos, a minha casa ser invadida e nossa paz ser tomada de assalto por homens, com fardas da infantaria de selva que seguindo ao tal “Comando” depredavam nosso lar a procura de supostas provas de “ subversão” que pudessem incriminar o dono daquele lar, esposo e pai daquela família. Não esqueço de cada instante, desse melancólico e silencioso interlúdio de 10 anos de Estado de Exceção. Tempo, em que em nome de uma hipotética, equivocada, distorcida e fraudulenta “ paz e ordem democrática” foram cometidas as mais inomináveis atrocidades contra cidadãos brasileiros. Não esqueço!

Não esqueço também da sofreguidão e da luta de milhares de brasileiros que atuaram e que lutaram pelo processo de redemocratização de nosso Brasil. De como foi difícil chegar até aqui.

Mas, hoje, diante do que vejo e presencio nas ruas, nos lares, nos bares, nas praças, e sobretudo, quando me deparo com as mais variadas manifestações de grupos que ainda representam essas oligarquias, confesso que me assola uma certa angústia e preocupação.
Sinto uma profunda tristeza e desencanto quando testemunho cenas que ferem a ética e o bom senso democrático. Sinto angústia quando testemunho, pelos meios de mídia, as manifestações, as palavras de pouca ou nada honradez e os ataques covardes e inconseqüentes de candidatos que postulam governar essa Nação. Fico mais preocupada ainda, quando dogmas e “verdades” morais e religiosas servem de instrumentos de manipulação política, proselitismo a favor da fisiologia do Poder.


Sem essa de os fins justificam os meios! Entristece-me ver profissionais da comunicação prestando-se a esse mal serviço à sociedade.

Esta Nação, nunca foi xenófoba, fundamentalista e beligerante no trato de suas questões morais e religiosas, então, é bom tomar cuidado com o que é publicado, postado e veiculado nos meios de mídia e nas redes sociais, esse é um caminho equivocado e perigoso. Muito perigoso.

Confesso que sinto um certo nojo quando vejo as propagandas eleitorais e me deparo com campanhas manipuladoras, e imediatistas, vazias de conteúdo primário e supostamente didático que cometem o acinte de tratar o eleitor como burro, teleguiado e sem capacidade alguma de discernimento. Isso me dá ojeriza.

Não pertenço a nenhum partido político, não tenho religião. Sou poeta, escritora e minha natureza libertária e libertadora não me permite participar de corrente e grupos políticos, religiosos e até mesmo, literários. A única Ordem a que pertenço é a Ordem dos Advogados do Brasil, por força de minha militância como advogada. Mas, nem por isso, deixo de exercer o meu direito constitucional de me manifestar política e ideologicamente. E exercendo esse direito e o tendo como dever, manifesto-me sempre, diante de fatos e eventos que possam colocar em risco, mesmo que remotamente, a Democracia e a Liberdade e que possam comprometer todos os avanços, até hoje conquistados em favor de um ideal de Paz e Justiça Social.

Como mãe de três filhos e cidadã desta nação chamada Brasil, eu quero e preciso manter dentro de mim a esperança por um Brasil melhor para todos os brasileiros. Preciso crer e continuar lutando pelos Ideais de Liberdade, de Justiça e Paz Social. Esta foi a melhor herança que recebi de meu pai Benedicto Monteiro, um homem público que foi cassado, caçado, preso, torturado e quase morto por esses ideais.

Eu preciso acreditar, no bom senso desses milhares de brasileiros e sobretudo, na sua consciência democrática de não se deixar levar por manobras e campanhas manipuladoras.
Espero, que de fato, esses milhares de milhares de brasileiros guardem dentro de si a memória histórica dessa nação e que possam, com lucidez, decidir um futuro melhor para o Brasil.


.
Wanda Monteiro -
www.caleidoscopiodpalavras.blogspot.com

.

Nenhum comentário:

Postar um comentário