quarta-feira, 16 de março de 2011

SERTÃO DO SÃO MARCOS - Forquia

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No Ritiro da Meia Légua ficava a Invernada do Piquizeiro. Na distança de légua, a Invernada do Ataio, onde fiz casa de morada, cheia dos conforto. Tamém a ponte do Sapé emendo das duas na sede da Forquia, nus alto da Encruziada.
No abri da estrada foi fácil, só o passá de Lopoldo cum o carroção cheio de pedra. Fazê a ponte, essa sim, deu trabaio.
Era casá pedra com pedra, parecença duma cum parecença d’otra, travano essa uma cum aquela. Era ajudá Tio Rumiro, cunhecedô dos fazê barro ligoso prá garanti o sustento das pedra, até o pôr dos tronco lavrado no machado, labuta de Joaquim Pirracento, esse trabaiava subiano e juntano capim mode laçá os barro no dá a liga.
João Dico mais Lopoldo, cum o carro de duas junta, Lambari mais Cafuncho, na canga da frente, em carregação das pedra, ajudô erguê a ponte nos poco dia p’ro São João e na promessa de chamá Zarias prá tocá e matá um boi.
Cunhici Lopoldo, ele durmia embaxo duma sucupira no mei do cerrado, aculhi ele. Quando casô, fui padrim. Num deu sorte, a muié morreu cum menos de ano. Lopoldo tomava bênça todo dia, me tratava de seu Lino. Devotado, agregô na famia.
Durmia no paiol, conformado cum a vida, fazia tudo que a Bibiana pidia. Ela ia sangrá porco, chamava Lopoldo. Ia fazê sabão, pidia Lopoldo prá fazê a dicoada.
Joaquim Pirracento, cunhici no ofício, donde era o maió fazedô de carro de boi. Aquele nosso, ele que feiz. Nasceu no Curvelo, em Minas, i’eu num sabia onde era não, mais achava aquele nome uma buniteza.
Era tinhoso, por isso o apelido Pirracento. Se ele num fosse cum a cara do sujeito num pegava o sirviço. Mesmo orgulhoso, num importava das brincadera de Tio Rumiro falano que a ponte ia ficá cum jeito de carro de boi. Paricia inté que gostava da falação.
Na passada do tempo, a Forquia ia tomano jeito, o gado cada dia mais bunito, muita fartura. Só teve uma seca castigadera que nóis passava o dia intero levantano o gado no pasto. Mais nesse ano mesmo, rompemo na fartura. Até uns cobre que divia, paguei no trato.
O toque da vida era esse um, muito trabaio, mais vida sussegada. A labuta era vergá no sol, fosse na poca roça que tocava, só o do sustento, fosse na lida cum gado.
Nesse tempo, pareceu na Forquia dois homi a mando do banco, fereceno vantage de uns cobre prá omentá o prantado. Bibiana pois armoço. Cumero, ispiculano de um tudo, intardecero nos triero, rumo do Cavaiero.
No dezembro, cumpadre Quirim passô cum boiada, careceu poso e, no proseio em roda do fogo, falô dos homi do banco, perguntô meu intendimento.

- Cumpadre Quirim, num é do meu carecê, quando foi os cobre do seu Waldemo me valeu. Hoje a Forquia tá rumada é só num tê ismazelo. Fazê roça grande, com vantage dos cobre do banco, quero não.

- Pois é cumpadre, i’eu careço de fazê roça, currá novo, dá meiora na casa.

Passado o setembro, ele apareceu cum a famia, nóis feiz uma pamonhada e ele contô que ia fazê o tal impréstimo, se eu prestava garantia de assinatura.

- Cum obrigação, cumpadre. Respondi.

Em combinado, viajamo junto, assinamo os papel e ele pois a mão nos cobre cum satisfação.
No, um ano e mei passado, castigo da seca, cumpadre Quirim cai de cama, doença dos peito, num levantô mais. A viúva, no decorrê do luto, num deu conta da lida e ninguém acudiu. Nem i’eu, num era do meu sabê, o seu carecê.

- Pai, tem dois homi do banco aí.

- Tarde.

- Tarde, apeia.

- É sobre o aval que o senhor deu ao falecido João Quirino, a dívida está vencida e como o inventário demora, o banco resolveu cobrar do avalista. O senhor tem trinta dias para comparecer ao banco.

Nem apiaro.
Saí na vergonha da humilhação p’ra rua, fui batê no banco. Num tinha acordo. Corri na casa de Waldemo, ele tinha imprestado os cobre cum prazo de ano, no corrê das porcentage. Avuliei ali que meu nome já tava sujo. Vortei p’ra Furquia, reuni o gado, contei e fui batê no curtume do Neném Teodoro, que rematô a boiada na bacia das arma, veno a minha pricisão.
No prazo de mêis paguei o banco na conta que eles feiz mode ivitá humilhação e garanti honra no nome.
Na réiva, vortei p’ra Forquia e incontrei os minino tudo duente; Bibiana tinha virado um fiapo, tussino e na febre, num guentô a semana. Naquele agosto interramo, além de Bibiana, meu mais novo, mais Tio Rumiro, João Dico, a mulhé e a fia. Tristeza de vida.
Era os invisivi tarrafiano nóis. Sobrô a terra e o mais véio, sobrô Lopoldo e meu boi Lambari, que quase tive corage de vendê.
Dipois de matutá pricisão, vortei no banco. Agora quiria labutá cum prantio, agora quiria os cobre cum porcentage, igual Quirim. Nos poco ia comprano um gadim e rumava o disfeito.

- O banco não está emprestando dinheiro para plantio, o senhor volta no mês que vem que vamos analisar.

Só vortei mais uma veiz e a prosa foi a mesma.
No carecê fui minguano, até dispô da Forquia, tamém na bacia das arma.
Hoje trabaio, mais meu minino, aqui cum meu patrão, Joaquim Pirracento, fazeno carroção, carroça, portera e ponte.
Lopoldo casou cum a viúva de Quirim, inda antonte passô pur aqui.

- Como vai seu Joaquim? E prá mim.

- Bom dia, Lino. E passano a mão na cabeça do meu minino.

- Tá bom, meu filho?

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Leia a obra completa: http://sertaodosaomarcos.blogspot.com/

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