domingo, 13 de março de 2011

ANA TERRA - Como se constroi a submissão


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Celulares, roupas, corpos e almas. Consuma e descarte. Vivências e memórias de uma poeta e letrista da MPB. O panfleto distribuído nas mesas de bar mostra a imagem de uma mulher de shortinho e peitos quase de fora anunciando a noite do samba. A revista feminina ensina práticas sexuais para prender seu homem na cama. O professor sexagenário dá em cima da aluna de 20 anos que podia ser sua neta. O jornal da TV mostra o homem negro algemado. Os filmes encenam a violência em seus pormenores. A novela mostra homens velhos e/ou feios com mulheres novas e/ou bonitas. E assim a vida vai sendo levada com suas imagens construídas como realidade.

A questão é que as imagens vão construindo o imaginário do público consumidor e viram realidade. Mulher que vai ao samba é puta. Mulher precisa ter PHD em Kama Sutra para conquistar um homem. Velhos precisam de mocinhas para se sentirem machos, mocinhas precisam de velhos para se sentirem poderosas. Negro é naturalmente bandido mesmo sendo um professor de Harvard que perdeu a chave de casa e precisou arrombá-la. A violência é natural. O homem pode ser velho, feio e barrigudo que sempre terá à disposição uma linda e jovem mulher.

Conquistada a duras penas, como qualquer liberdade, a sexual feminina deve-se não só à revolução de idéias da década de ‘60, mas também ao progresso da ciência com a popularização da pílula anticoncepcional. Quando o medo de uma gravidez indesejada desaparece, o simples prazer aparece. Quando mais recentemente a reposição hormonal permite que não haja fisicamente a interrupção do desejo sexual feminino na tão temida menopausa, muitas mulheres escolhem continuar ativas sexualmente porque isso é mais um prazer da vida que deve permanecer. Assim como homens impotentes pelo envelhecimento podem lançar mão de hormônios masculinos.

A ciência darwinista ensina que a função da natureza é se reproduzir. Os animais humanos não fogem a essa regra, precisam povoar o mundo garantindo a reprodução da espécie. Por isso o macho é ativo e polígamo por natureza, enquanto a fêmea é passiva e monogâmica por natureza. Mas quando o planeta já não necessita mais de aumentar a população, e os novos costumes demonstram que homens e mulheres são polígamos ou monogâmicos por decisão pessoal, e não mais por instinto, como ficam essas afirmações científicas?

Quando uma experiência das neurociências em pesquisa de casais com mais de 20 anos de relacionamento, descobre que um percentual mantém o mesmo desejo, um pelo outro, dos primeiros tempos, outra “verdade” cai por terra: que a paixão tem prazo de validade.

A ciência é uma grande conquista da inteligência humana, mas não é exata. A cada nova descoberta a anterior é descartada. Mas como qualquer conhecimento, é apropriado pelos poderes hegemônicos do seu tempo. E hoje, a sociedade do consumo e os poderes políticos, de braços dados, utilizam as informações, divulgando-as ou escondendo-as, para adestrar e manter nosso desejo permanentemente insaciável. A submissão ao sistema dominante se constroi e reconstroi permanentemente.

Padrões minoritários são adotados como absolutos. “Pague em 36 meses sua cirurgia plástica.” E surge um bando de loucas a se deixar cortar para atender ao homem consumidor do seu corpo, que o descarta como qualquer mercadoria em troca da mais nova. “Emagreça! Ser gordo é feio.” E sai outro bando de desesperados sustentar a indústria do emagrecimento ou ainda pior, permitindo a mutilação do estômago para rejeitar alimentos e serem amáveis. Homens e mulheres são prisioneiros das verdades do momento.

Consuma e descarte, consuma e descarte. Celulares, roupas, corpos e almas. Seduza, seduza, seduza. Não importa o custo emocional das pessoas descartadas. Principalmente se elas não utilizam a ética apenas em alguns compartimentos da vida. Mas também nos seus múltiplos, porém nunca descartáveis amáveis amores.


Ana Terra
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