sábado, 18 de setembro de 2010

Ninguém me Conhece: 10) A Cara de Celso Viáfora, um Brasileiro que nem a Gente

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Mano Menezes, li recentemente, ganhou de presente da Nike um curso no qual aprendia a se portar perante a imprensa. Isso me fez pensar. Fui, desde sempre, contrário à contratação de Dunga pro cargo de técnico da Seleção Brasileira, contudo, embora discordasse de 90% do que ele dizia (e fazia), admirava-lhe a capacidade de ser sempre verdadeiro, espontâneo, não um macaquinho movido a pilha. Mas os tempos hoje são outros, e todos os profissionais têm que estar preparados pro que der e vier. Obviamente, com a indústria da música não podia ocorrer algo diferente. Desde que a canção deixou de ser canção pra virar sabonete, basta ligar a tevê pra se deparar com artistas sorridentes, que parecem saídos de um comercial de pasta de dentes, com frases feitas pra responder a perguntas idem, todos encenando um roteiro previamente decorado. Perto deles um cara como João Gilberto parece ser um verdadeiro homem de neandertal.


Embora igualmente sorridente, Celso Viáfora é outro que não fez o tal curso. Quando sorri, parece mais um menino tímido preso dentro de um desengonçado corpo de adulto (lembram-se de Quero Ser Grande, com Tom Hanks?). Suas deliciosas tiradas futebolísticas e suas piadas das quais ele é o primeiro a rir parecem sempre sair de supetão, à queima-roupa, como uma maneira de escapulir da pergunta ou de alguma situação na qual se sente um tanto desconfortável, jamais de um roteiro. Em tempos de robôs malhados, a figura de Celso, seja nas raras aparições na tevê, seja em cima de um palco, parece quase arcaica, desfocada. Mas Celso não tem muito o que fazer, pois é um remanescente dessa escola musical que se preocupava mais com o conteúdo que com a estética. Cá pra mim, acho que deve ter tido lições com o professor Chico Buarque. Ainda bem que cabulou as aulas de mau humor.


Como tenho muitos amigos que tiveram seus primeiros trabalhos lançados pela Dabliú Discos, acabei descobrindo lá muitos ótimos artistas. Celso foi um deles. Não me lembro bem de que maneira, um dia um CD dele me veio parar nas mãos. Era um que se chamava simplesmente Celso Viáfora e tinha uma capa desanimadora: dentro de uma moldura, tendo um desenho de uma lua crescente e uma estrela no canto superior esquerdo, um camarada com um bigodão preto, grossas sobrancelhas pretas e um topetão preto aparecia numa foto que, fosse de frente e não de perfil, pareceria um 3x4 comum. A imagem tinha um quê chapliniano. Como, reza a tradição popular, a cavalo dado não se olha os dentes, fui conferir.


Saí dessa conferência fã. Corrijo-me: admirador. Não parei mais de adquirir seus discos e procurei me manter atento a seus passos, embora à distância. Com os anos, e por conta de amigos em comum, acabei me aproximando dele e tive a oportunidade de conhecer o homem por trás do compositor. Em princípio, sentia-me um tanto constrangido e deslocado, pois sempre gostei de manter certo distanciamento do causador da admiração, pra não lhe conhecer os defeitos. Mas Celso sempre agiu, comigo e com os outros que o rodeiam, de forma tão desprovida de afetação, que o relacionar-se com ele acaba resultando tão natural que não se carece de formalismo. Depois que ele descobriu também o Caiubi, cansei de vê-lo por ali, em algum canto, tão discreto que beirava a invisibilidade (apesar do porte).


Gosto de artistas assim, gente como a gente, que não necessitam de muletas pra que sua obra caminhe, pois ela sabe fazê-lo por si só. Infelizmente hoje os artistas adquirem notoriedade mais por suas caras e bocas, seus escândalos, seu visual, que por sua arte. Quem menos tem o que falar mais fala. Mas a culpa por esse panorama também a temos nós. Nossa preguiça acaba fazendo que conheçamos apenas o que nos esfregam na cara como sendo material de qualidade. Daí ficamos parecendo neném tomando aquelas sopinhas que a mamãe teve antes que amassar com a colher. Ou seja, preservamo-nos da ação de mastigar antes de deglutir. Minuto filosófico! Com o patrocínio do Boteco do Seu Sócrates! Voltemos ao Celso:


À margem desse universo fashion, Celso, um chopinho ali, uma canetada aqui, uma pedalada acolá, uma violada mais além, solidifica sua carreira ano a ano. Além de melodista dos mais inspirados, é, já faz um bom tempo, letrista dos mais requisitados. Que o digam, entre tantos outros, Vicente Barreto, Ivan Lins e Francis Hime, que, tendo-o como parceiro, dão a dimensão do que é o trabalho desse moço, que, como ninguém é perfeito, teve o mau gosto de torcer pelo Timinho. Mas tal falha não é capaz de manchar seu curriculum. Não há de ser nada, não há de ser nada, pra quem já nos deu Não Vou Sair, A Cara do Brasil, Emoldurada, Papai Noel de Camiseta... Se eu continuar, não paro hoje!


Mas Celso nasceu pra ser assim, "torto igual Garrincha e Aleijadinho, ninguém precisa consertar". Se lixou pra falta de espaço no Sudeste e foi ser ídolo no Norte, atuante, produzindo, compondo, descobrindo (e descoberto por) outros Brasis. Jogou o manual fora, mandou uma banana pra mídia paga e gravou do jeito que quis seu primeiro DVD, Batuque de Tudo: contraventor, utilizou, em vez de palco, a fazenda de Rafael Alterio, o Garga!; em vez da chiadeira do público pagante, apenas o chiado gratuito dos passarinhos; em vez de um repertório batido, canções inéditas; e, pra complementar, chamou pra lhe fazer companhia nessa viagem os manos com tempo de brodagem (como gosta de dizer). Não tinha como não resultar em algo excepcional. Se todo DVD musical fosse assim, até que eu compraria alguns.


Por falar ainda no professor Chico, acredito que ele, mesmo sem saber, não estava se referindo a esses moços (pobres moços) que compõem modernas velharias quando cantou "Evoé, jovens à vista". Referia-se a jovens como Celso Viáfora.


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Ouça algumas das caras do brasileiro Celso Viáfora aqui:

http://clubecaiubi.ning.com/profile/OXdoPoema


Por Léo Nogueira - http://www.oxdopoema.blogspot.com/


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2 comentários:

  1. Não vou sair é uma das canções mais marcantes da minha vida.
    Sempre a revisito, pra lembrar de como é bom estar (aí ... ou aqui) Olhando Belém com olho de boto ...

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  2. Cristina,

    Anda sumida parceira.
    O Celso capturou tudo, a época, depois o lugar e por ai vai... um dos grandes da música brasileira.

    Beijão

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