sábado, 25 de setembro de 2010

Ninguém me Conhece: 12) Guilherme Rondon? Claro que Sim!

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Mais de uma pessoa já me escreveu perguntando se os artistas a quem homenageio em meu blog não se sentem desprestigiados quando veem seus nomes vinculados a uma coluna com o depreciativo título de Ninguém me Conhece. Ao que respondo com um sonoro "não". Muito pelo contrário. Já houve até quem me cobrasse por não fazer parte de seleta lista. O que me deixa em saia justa, pois o tempo livre é pouco pra falar de tanta gente que merece. Aos ansiosos, peço paciência. E aos leitores preocupados com a integridade artística desse ou daquele, pergunto: Quem é realmente conhecido hoje em dia? Um dia, numa roda, pra fazer bonito, caí na besteira de falar que era parceiro de Zeca Baleiro, e não é que teve um que se virou e perguntou: Zé Quem? Eu mesmo, quando abro o jornal e leio a respeito dos escândalos de fulana que é alcoólatra ou de beltrana que lotou o Credicard Hall, pasmo, estupefato por ver gastarem tantas tinta e papel com celebridade que me é completamente nula! Pra mim, por exemplo, Guilherme Rondon é uma celebridade. E você, conhece-o? Nana § Danilo Caymmi, Ivan Lins, Sérgio Reis, Almir Sater, Alzira Espíndola e Lula Barbosa são só alguns dos que o conhecem, e bem! Mas é possível que alguns de vocês tampouco conheçam os acima citados. Percebem como a fama hoje é algo realmente muito relativo? Do jeito que anda a maré, quando minha humilde (nem tanto) coluninha estiver por volta do 90º texto, vou poder escrever a respeito de Chico Buarque!

Mas dou a mão à palmatória. Houve um tempo em que Guilherme Rondon pra mim não passava de um nome. Um nome familiar, claro, mas não muito mais que isso. Mesmo puxando pela memória, não conseguia me lembrar de nada que tivesse composto ou cantado. Por isso, a primeira vez que o vi, fui tomado por um sentimento misto de vergonha e encanto. Mas foi só vê-lo subir ao palco pra que tais sentimentos dessem vez ao arrebatamento. O cara tocava e cantava muito! E as canções... Afe! Daí me dei conta de que o Brasil só pode ser piada de português. Se Rondon fosse, sei lá, colombiano, iriam batizar avenidas com seu nome. Aqui ele cabe em minha coluna... Um tanto apertado, mas cabe.


Mas se o conheço, em boa conjugação em primeira pessoa do verbo conhecer, devo agradecer ao Caiubi, que fez o que a mídia paga não faz mais. Foi lá que nos sentamos à mesa e jogamos conversa dentro. Aliás, Rondon é aquele camarada que não tem medo de uma boa prosa. Tem medo, sim, é de poesia. Explico: o moço é um melodista à moda antiga, daqueles que passam meses (às vezes anos) elaborando uma melodia, depois passam outro tanto ruminando, pensando em quem seria o letrista ideal pra lhe transformar as notas em versos (já viram que pressa não é com ele, não?). Agora, quer ver o moço tremer na base, envie-lhe uma letra pra que ele a musique... Nem com reza sai algo que preste. Confessou-me ele certa vez que já teve até aulas (informais, claro) com Ivan Lins, mestre na arte. Mas foi reprovado com méritos. Rondon é do time de Vicente Barreto. Primeiro, a melodia, depois o letrista que dê seus pulos pra fazer uma letra caber na dita cuja.


Por falar nisso, tenho um "causo" muito interessante a respeito de parceria com o moço do Pantanal. Foi assim: certo dia, abri meu e-mail e lá estava uma mensagem dele, desafiando-me a uma parceria. Rapaz, minha alegria não foi pouca, mas confesso que o medo também foi grande. Ignorei o bicho, disse-lhe sim, obviamente, e lá fui eu labutar. Escutei a melodia não poucas vezes, de repente, a mágica se deu e as palavras começaram a brotar como se fossem petróleo em solo propício. Na letra procurei resumi-lo a meus olhos. Quando, depois de terminada, passei-lhe um pente fino, meti-a dentro de uma e-carta e despachei-a pro Pantanal. Fiquei exultante com sua resposta. A letra havia sido aprovada. Mas foi aí que começou meu calvário... Dias depois ele me escreveu dizendo que não estava satisfeito com a melodia e resolvera fazer-lhe uns ajustes. Afrouxa daqui, aperta dacolá, a melodia recauchutada ficou pronta. E lá fui eu, de novo, aparar as arestas e fazer a velha letra caber na melodia nova. Aí ocorreu um problema: a mágica havia se empirulitado. Restou só a labuta. E haja labuta! Resumindo: trocamos e-mails creio que por mais de um mês até batermos o martelo. Depois disso ele ainda encasquetou que havia uma frase meio ambígua ("Eu gosto de um abraço, dar e receber"), mas acabou cedendo (sem ambiguidade). Posto a letra abaixo e deixo por conta de vocês decidir se o resumi bem. A canção acabou se chamando Sagradas Horas:


"Eu gosto de um abraço, dar e receber/ Prossigo nesse passo rumo a você/ Quem sempre está com pressa não vê o luar/ Se a hora não é essa,/ Ela chegar./ Tem vez que a gente chora/ Tem hora pra chover/ Dinheiro vai embora/ E aquele amor, cadê?/ Há de chegar a hora/ De eu conquistar você/ Há de chegar a hora/ De eu conquistar voc./ Eu viro madrugadas com meu violão/ As horas são sagradas,/ não retornarão/ Eu gosto da demora, ver a flor brotar/ O que hoje me devora/ Me alimentará."


Cometo aqui uma inconfidência: quando escrevi "há de chegar a hora de eu conquistar você", estava enviando-lhe uma mensagem cifrada. Nas entrelinhas era um desabafo, meio como se eu dissesse: "Até que enfim me mandou uma melodia!". Mas isso fica entre nós, certo?
No mais, quem quiser saber mais a seu respeito, São Google tá aí pra ir em seu auxílio (tinha escrito o mesmo no texto da Daisy, me lembro, não estou ficando gagá!). Antecipo apenas que Rondon possui um dos violões mais originais do Brasil (e não estou me referindo ao instrumento!). Os ritmos brasileiros saem-lhe dos dedos como água, e o moço também soube se aproveitar da fronteira pra obter uma sonoridade bem sua (y se volvió casi un hermanito, aunque brasileño). A voz é um espetáculo, e as canções... Acho que estou me repetindo.

Estão cansados? Em caso afirmativo, parem por aqui, o recado está dado, vão lá ouvir o Rondon e estamos conversados. Caso contrário, aos bravos leitores de longas missivas, posto abaixo (já que estamos falando de "causos") texto que escrevi em 26 de setembro de 2008:

Rondon no Busão

Chico Buarque disse, numa entrevista à Folha, em dezembro de 2004, que a canção pode estar para o século XX como a música lírica esteve para o XIX. Pode ser, mas, apesar de estar passando por uma fase de vulgarização, acredito que a canção ainda terá uma vida muito longa, pois, enquanto teimosos compositores insistirem nesse ofício e se emocionarem com ele, as canções continuarão emocionando, ainda que a médio prazo. Porque a canção, como o tempo, não tem pressa. O compositor, sim, a canção, não. Fica ali esperando, dentro da caixinha do CD, no rádio desligado, ou na internet, esperando pra ser baixada… e ouvida.

É aí que entra em cena o novo CD de Guilherme Rondon. Desde a primeira vez que o ouvi havia gostado. Cheguei a ouvi-lo durante dias seguidos, até que me cansei e parei. A realidade do disco não condiz com a minha, não me vejo lá. Sou um ser urbano, daqueles que chegam em casa com a roupa cheirando a cigarro e yakisoba, que quando tiram o sapato parece que estão tendo um orgasmo. Nossos ouvidos são recipientes para uma música mais agressiva. Sim, porque depois de tanta adrenalina, só conseguimos relaxar… com barulho.

Pois é. E é aí que entra de novo em cena o novo CD do Rondon. Kana, de volta de sua última viagem ao Japão, me trouxe um aparelhinho em que cabem milhares de músicas. Já guardei dentro dele quase 1.500, e a capacidade do danado não chegou sequer à metade. Como o progresso é cruel e não nos deixa tempo pra o aproveitarmos, eu, que sempre fui um ouvinte de discos à moda antiga, passei a guardar nesse aparelho todos os novos CDs que adquiro e viciei-me em sair por aí afora com fones de ouvido, atualizando-me.

Sim, mas e o disco do Rondon? É aí onde eu queria chegar. As canções de seu disco estavam perdidas no meio dessas 1.000 e tantas. Pra ser honesto com todas, costumo pôr uma ordem aleatória, e vou pulando as que não me interessam.

Tenho cumprido uma carga horária de trabalho por estes dias e, pra não me atrasar pra faculdade, tenho saído às 18h. Hoje tive um problema e só consegui sair às 18h15. Madonna mia! 15 minutos mais e o trânsito já estava um inferno. Ironia das ironias, peguei o primeiro "Paraíso" que apareceu e, dentro desse ônibus fui, parada a parada, sendo esmagado pela boiada bípede (à qual pertenço, deixe-se claro). E, sem espaço pra ler um livro, fui ouvindo as tais canções.

No começo havia dito que a canção não tem pressa. E o exemplo que vou dar agora é esmagador. Apoiado em um pé só como um equilibrista, com dor nas costas, sendo empurrado à esquerda e à direita e vendo o ônibus seguir a passo de tartaruga, eis que adentra meus ouvidos, sem pedir licença, como só os autoconfiantes sabem fazer, Por Luísa, do Rondon com o Alexandre Lemos. Quando os primeiros acordes me invadiram, despertei de um sono acordado pra sonhar desperto. Foi como se nunca a tivesse ouvido. Aliás, foi como se ouvisse canção pela primeira vez, tal o estado de arrebatamento. Como num transe, ouvi-a uma, duas, três, incontáveis vezes. A lágrima, que por timidez receava, caiu abundante. Sem poder esfregar os olhos, fechei-os, e fui transportado pra uma outra realidade. O ritmo descompassado do ônibus já não me incomodava, pois eu estava em outro lugar, embora dançasse com um pé só (aquele no qual eu me mantinha apoiado. Claro que vez por outra os revezava). E aquela musicalidade que não dizia respeito aos meus cigarros e yakisobas foi tomando conta de mim e passou a ser minha única verdade. Soprou-me no ouvido que música não tem cerca, nem fronteira. Àquilo que hoje não me diz respeito, amanhã posso morrer por ele.

O ônibus subiu a Rebouças e entrou na Paulista. Quase todos desceram ali; e só então pude me sentar. Mudei o modo aleatório e pus o disco do Rondon pra ouvir inteiro, enquanto não chegava minha parada final.

Coincidentemente hoje batemos o martelo. Está aprovada minha primeira parceria com o Rondon, Sagradas Horas. Se fosse apenas uma estratégia de marketing, poderíamos criticar este texto. Mas a verdade é que de manhã ele deu cartão verde e, à noite, dentre 1.000 e tantas canções, Por Luísa veio beijar-me na subida da Rebouças. E estou aqui pra provar que o melhor marketing é o marketing de verdade.

É felicidade demais.


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P.S. Rondon não é só Pantanal, também tem seu lado urbano. Mas é um lado preguiçooooso...


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Ouça, sim, cinco pérolas de Guilherme Rondon aqui:

http://clubecaiubi.ning.com/profile/OXdoPoema

Leia as letras aqui:

http://clubecaiubi.ning.com/profiles/blogs/guilherme-rondon


Por Léo Nogueira -
http://oxdopoema.blogspot.com/

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