terça-feira, 17 de março de 2009

NASCIMENTO



Teu amor é recorrente
Porque foi anseio
E sonho imantado na solidão

Meus braços entorpecidos
Adivinhavam tua existência
Antevendo o corpo ridente
Jorrando saudades

Insonoro e triste
Andava estradas
Supondo viço de juventude
Dormindo em quintais
Colhendo janelas e portas abertas
Deixando cheiro em muitos seres
E guardando o deles em mim

Queimando labaredas inteiras
Encruzilhadas marcaram minha pele
Pequenas pedras se cravaram
Na coragem dos meus pés

Estradas nuas me andaram

Cruzei pontes que não ligavam nada
E outras deram no silêncio da tua vida
Ainda não nascida diferençando
Meus passos dos outros caminhantes

As luzes que faiscavam já eram teus olhos

A cobiça não era igual
Meus gestos destoados e leais
Perdiam-se em cada rama de capim
Nenhuma margem me adivinhava

Exposto ao sol
O vento me bulindo
As noites vinham umedecidas
Apertando as luzes com a escuridão

Palavras habitavam meus pensamentos
E comiam minha voz
Tu haverias de viver no meu silêncio
E degradar meus medos
Nasceste despudoradamente
No meu corpo
Em todos sentidos

Amor inaugural e não sabido
Que carreguei
Por campos plantados
E áridos lugares
Esperando as manhãs

Havias de nascer
Da primeira palavra que ouvi
Quando ainda estava no ventre
Gravitando em seios

Insonoro e triste
Já levava para tua boca
O sal das lagrimas do mundo
Triscando verdades

Quantos chicotes atormentei
Com o vergalho da minha sede
E respingos do orvalho
Que esparramava ao caminhar

Juntando surgências e espinhos
No meu andar capineiro e agudo
Misturei rumos sucedentes
Coleando o pensamento
Mas deixando sinais

A musica silenciosa sustentou o ar
Que sufocava meus pulmões
Com a urgência das mãos
E a boca cheia de palavras

Um lajeiro fecundou os dois rios
Que nasceram dos meus pés
E a distância do mar ficou esperando
Para calçá-los, tudo serve...

No que se desordena
A miséria pula nos caminhos
Esperando que um deus haja
Que um demônio já tenha agido
Que a desrazão esteja em alguém
Colhendo as sobras da ignorância
Minha boca cheia de palavras
Vomitou puro impudor

Quis conquistar a solidão
Feitiço de mel e fel
Martelando dolente,
Explicitamente, semovente,
Passeando pelos sete planos
Emanando indisfarçáveis conveniências
Esperando amanhãs
E o embate perdido nas mãos
Desmaterializadas com verdades

Caminho anônimo, meu ato
Com o amor resplandecendo nos olhos
Nunca esqueci meus sonhos
Pelos cantos do mundo
Nos pés, uma única direção,
Doloridos tornaram
Disfarces e se puseram
Sempre à minha frente

Tempos de descaminhos
De bebida forte tomada só
Em volta de fogo frio
Nas noites sem lucidez
Com a pátria sangrando dentro
Da minha angústia e a boca
Suja de palavras querendo
Engolir a escuridão da margem

Vomitando indizíveis promessas
Um louco passou
Um sino bateu
E a distância saudou
Mudando a pele da lembrança
Que não fez ninguém dançar
Os olhares amativos
Vingaram no meu corpo
Nasceste...


MQ
.

4 comentários:

  1. Que nascimento lindo!

    "Daqui vem que os poetas
    devem aumentar o mundo com
    as suas metáforas.
    Que os poetas podem refazer
    o mundo por imagens,
    por eflúvios, por afeto."
    Manoel de Barros

    'Te abraço'.

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  2. É desses escritos que falo, quem lê, relê infinitas vezes. Volta, repensa, refaz caminhos na compreensão até satisfazer a sede que se faz de tanta emoção aí desenhada letra por letra.

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  3. Márcia,

    Os seus também são "desses escritos" leia que verá.

    Abraço.

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