sexta-feira, 27 de março de 2009

CENA DE ESQUINA

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O crime: uma facada no companheiro de esquina; motivo: a traição da cadela que lhe dava amor.


O barulhento vizinho sentiu ciúmes e, da gentileza do início, acabou por tomá-la à força, uma vez, duas, três, até impor a rotina.

Descoberto naquela manhã, a briga foi como um duelo que a cadela presenciava, grunhindo em volta. A ferramenta afiada tomou corpo de faca e tal qual abriu um ventre.

A morte rondou o estuprador, os médicos a espantaram.

O amante desapareceu sorrateiro, com a cadela soluçando nas mãos, fugiu pouco, a polícia prendeu.

Ficou a cena na esquina, suspensa, e quatro anos de prisão.

O animal dali não saiu; passava dias e noites cheirando os cantos, a calçada, o lugar da casa de papelão e restos de madeira que a limpeza pública, comprovado o abandono, demorou a recolher.

Quando o sedutor voltou em ataduras, olharam-se. Ela triste e assustada, ao vê-lo resignou-se e, pensando no outro, por ali ficou definhando submetida, mas rondando o quarteirão, decerto procurando entender sua razão.

Durou poucas semanas até, numa segunda-feira, jogar-se debaixo de um ônibus qualquer.

A cena na esquina novamente ficou presa no ar e o arrogante sedutor colheu todas as noites de solidão do lugar.

Aberta a cela, a saudade ardia e a vingança pairava no ar; o comborço já não havia. Alguma doença o comera pelos pulmões. Morreu em cena, na esquina, esperando o companheiro e parente sair da penitenciária para, juntos, chorarem a falta da cadela.

MQ

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