segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

RUY GODINHO - ENTÃO, FOI ASSIM?

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NERVOS DE AÇO
(Lupicínio Rodrigues)

Você sabe o que é ter um amor, meu senhor
Ter loucura por uma mulher
E depois encontrar esse amor, meu senhor
Nos braços de um outro qualquer?
Você sabe o que é ter um amor, meu senhor
E por ele quase morrer,
E depois encontrá-la em um braço
Que nem um pedaço do seu pode ser?
Há pessoas com nervos de aço,
Sem sangue nas veias e sem coração
Mas não sei se passando o que eu passo
Talvez não lhes venha qualquer reação
Eu não sei se o que trago no peito
É ciúme, despeito, amizade ou horror
Eu só sinto é que quando a vejo
Me dá um desejo de morte ou de dor.
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Então, foi assim...


“As músicas de Lupicínio Rodrigues1 foram todas feitas para prostitutas”,
diziam seus amigos.

Mário Goulart2 conta que um desses amigos, o compositor carioca
Rubens Santos, disse-lhe certa feita: “Lupicínio, você parece o São Francisco”.
Lupi – como era tratado pelos amigos – pensou que tinha a ver com
os bichos que criava. “Ah sim, porque eu vivo cercado de pássaros, não
é?” Confessadamente maldoso Rubens explicou: “Não, Lupicínio, não é o
santo. É o rio. Porque você vive cercado de piranhas...”

Apelidado de Criador da Dor-de-Cotovelo pelo apresentador Blota
Jr., Lupicínio só fazia músicas autobiográficas. Afirmava que as mulheres
boazinhas nunca lhe deram nada. Mas as que o traíram lhe deram carro,
casa, bares e casas noturnas. Cada traição virava música, cada música virara
sucesso nacional, embora ele não precisasse sair de Porto Alegre, onde
nasceu e morreu.

Essa trajetória começou nos idos de 1940, ainda não com as mulheres
da noite pelas quais ele tanto se apaixonou e foi traído. Mas com a adolescente
Inah, filha de uma família tradicional gaúcha.

Inah morava em Santa Maria, região central do estado, para onde Lupicínio
foi transferido quando era cabo do Exército, aos 15 anos de idade.
Foi o primeiro amor da vida dele, amor que durou até mais tarde quando
ele retornou a Porto Alegre. Mas, a vocação para a boêmia não o deixava
parar em emprego nenhum, vivia a se deliciar dos prazeres da noite e não
se habituava à vida convencional. A família de Inah reclamava, pressionava-
o para o casamento de papel passado, como manda o figurino. E ele
sempre postergava. Diante de tanta pressão, Inah o ameaçou: se ele não se
casasse com ela, ela se casaria com o primeiro sujeito que encontrasse, nem
que tivesse que morrer de fome em conseqüência desse gesto. Lupicínio
não a levou a sério.

No dia 02 de fevereiro de 1946, dia da festa de Nossa Senhora dos
Navegantes, em Porto Alegre, também chamada pelo povo de Festa das
Melancias, ele a encontrou devidamente aconchegada nos braços de um outro
qualquer, um braço que nem um pedaço do dele podia ser. Inah foi à tradicional
festa religiosa de braços dados com o marido.

Assim nasceu um dos clássicos da dor-de-cotovelo, imortalizado na doce
voz de Paulinho da Viola, em gravação de 1973, no LP homônimo.



1 16/9/1914 Porto Alegre-RS 27/8/1974 Porto Alegre-RS.
2 Lupicínio Rodrigues, o poeta da dor-de-cotovelo: seus amores, o boêmio e sua obra genial.



Ruy Godinho
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