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LÍGIA
(Tom Jobim)
Eu nunca sonhei com você
Nunca fui ao cinema
Não gosto de samba não vou a Ipanema
Não gosto de chuva nem gosto de sol
E quando eu lhe telefonei, desliguei foi engano
O seu nome não sei
Esqueci no piano as bobagens de amor
Que eu iria dizer, não ... Lígia Lígia
Eu nunca quis tê-la ao meu lado
Num fim de semana
Um chopp gelado em Copacabana
Andar pela praia até o Leblon
E quando eu me apaixonei
Não passou de ilusão, o seu nome rasguei
Fiz um samba canção das mentiras de amor
Que aprendi com você
É ... Lígia Lígia
E quando você me envolver
Nos seus braços serenos eu vou me render
Mas seus braços morenos
Me metem mais medo que um raio de sol
Lígia Lígia
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Então, foi assim...
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Lygia Marina de Moraes era professora do pré-primário de uma das
filhas de Tom Jobim1. Conheceram-se no ano de 1968, em um bar carioca.
A musa contou para a revista Marie Claire2 que conheceu Tom numa
tarde chuvosa. “O bar Veloso [hoje Garota de Ipanema] estava vazio, era junho
e fazia frio. Eu e uma amiga, Cecília, nos sentamos na varanda e vimos o
Tom conversando com Paulo Góes [fotógrafo]. Os dois acabaram se sentando
na nossa mesa. Quando contei ao Tom que era professora da sua filha
Beth, ele teve um ataque de riso e disse: ‘É a primeira vez que paquera vira
reunião de pais e mestres!’. E eu babando: imagine, em 68, Tom era um dos
homens mais lindos do Brasil.”
Tom, que era casado na época com Thereza, negou enquanto pôde
que Lígia fosse a sua musa. Afinal, ela era casada com um amigo dele: o
escritor Fernando Sabino. “Em 1973, acho que Tom não sabia que eu estava
casada, e ligou para o Fernando pedindo meu telefone. Meu marido fez
uma sacanagem: deu um número errado. Em seguida, ligou para o telefone
que tinha dado e avisou: ‘O Tom Jobim vai ligar aí procurando uma
Lygia, mas o telefone é tal’, e deu outro número errado. Os amigos ficaram
sabendo dessa história, inclusive o Tom. Talvez daí tenha surgido a frase na
música que fala do telefonema que foi engano.”
Na tarde em que se conheceram, ele tinha que dar uma entrevista
para a revista Manchete e convidou Lygia e sua amiga Cecília para irem
com ele. “Fomos no fusquinha azul-claro do Tom. Eu usava uma saia de lã
e um suéter de cashmere”, detalha Lygia. Num intervalo qualquer da entrevista,
Tom escreveu um poema que ela guarda como se fosse um tesouro:
‘Teus olhos verdes são maiores que o mar/ Se um dia eu fosse tão forte quanto
você/ Eu te desprezaria e viveria no espaço/ Ou talvez então eu te amasse/ Ai
que saudades me dá/ Da vida que eu nunca tive’ (A.C.J).
No fim da entrevista, Tom a levou em casa. “Nos despedimos no carro,
com um beijinho no rosto. Fiquei nervosíssima, mas parou ali. Tom era
casado... Aquela carona foi nosso único encontro a sós. A música fala de
tudo o que não aconteceu: o cinema, o passeio na praia... ”
Foi o suficiente para que a mente abençoada de Tom Jobim projetasse o
samba-canção homônimo com a seguinte letra:
“Eu nunca sonhei com você/ Nunca fui ao cinema/ Não gosto de samba
Não vou a Ipanema/ Não gosto de chuva/ Nem gosto de sol
Eu nunca te telefonei/ Para que se eu sabia/ Eu jamais tentei
E jamais ousaria/ As bobagens de amor/ Que aprendi com você
Não, Lígia, Lígia.
Sair com você de mãos dadas/ Na tarde serena/ Num bar de Ipanema
Andar pela praia até o Leblon
Eu nunca me apaixonei/ Eu jamais poderia/ Casar com você
Fatalmente eu iria/ Sofrer tanta dor/ Pra no fim te perder
Lígia, Lígia
Você se aproxima de mim/ Com esses modos estranhos/ Eu digo que sim
Mas seus olhos castanhos/ Me metem mais medo/ Que um raio de sol
Lígia, Lígia.”
Com essa letra, Tom a entregou para Chico Buarque gravar no LP Sinal
Fechado, de 1974, aquele em que ele gravou somente músicas compostas por
amigos, por estar com a obra censurada. Tanto que Chico deu um toque de Midas
na letra, mas evitou colocar seu nome na parceria para driblar a censura.
A musa estava sozinha em casa quando ouviu no rádio, pela primeira vez,
Chico cantando Lígia. Ainda de acordo com a reportagem: “Fui correndo comprar
o disco. Na hora, me vi na letra. Ser homenageada já é maravilhoso, ainda
mais pelo Tom, com uma música linda e sofisticada... É uma glória. Claro que
a música rendeu comentários e Fernando ficou uma fera. Durante os 19 anos
em que fui casada, Tom evitou o tema. Estivemos juntos em vários lugares, tipo
réveillon na casa de Jorge Amado, eu com Fernando e Tom com Ana – sua segunda
esposa – mas ninguém falava nisso”.
A primeira e única vez que Tom Jobim admitiu para Lygia ser ela a inspiradora
da música, foi num encontro casual na COBAL, um misto de sacolão
e ponto de encontro, localizado no bairro do Leblon, endereço do restaurante
Plataforma, onde Tom freqüentemente encontrava-se com os amigos. “Está
chegando a minha musa!”, teria dito ele.
Lígia foi gravada no Brasil, entre outros, por Lúcio Alves (1975), Tito Madi
(1976), pelo próprio autor, no LP Urubu (1976), Wilson Simonal (1979), Milton
Banana Trio (1980), Simone (1989), Leny Andrade e Cristóvão Bastos (1995), João
Gilberto no LP Melhores de Dois Mundos (1977, Brasil), com Stan Getz e Miúcha e
ainda no CD João Gilberto in Tokyo (2004). Nesta gravação, João Gilberto faz uma
ligeira alteração na letra:
“E jamais ousaria as bobagens de amor
Que outro vai te dizer...”
1 Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim 25/1/1927 Rio de Janeiro-RJ 8/12/1994 Nova York-EUA.
2 Edição de novembro de 2000.
Ruy Godinho
filhas de Tom Jobim1. Conheceram-se no ano de 1968, em um bar carioca.
A musa contou para a revista Marie Claire2 que conheceu Tom numa
tarde chuvosa. “O bar Veloso [hoje Garota de Ipanema] estava vazio, era junho
e fazia frio. Eu e uma amiga, Cecília, nos sentamos na varanda e vimos o
Tom conversando com Paulo Góes [fotógrafo]. Os dois acabaram se sentando
na nossa mesa. Quando contei ao Tom que era professora da sua filha
Beth, ele teve um ataque de riso e disse: ‘É a primeira vez que paquera vira
reunião de pais e mestres!’. E eu babando: imagine, em 68, Tom era um dos
homens mais lindos do Brasil.”
Tom, que era casado na época com Thereza, negou enquanto pôde
que Lígia fosse a sua musa. Afinal, ela era casada com um amigo dele: o
escritor Fernando Sabino. “Em 1973, acho que Tom não sabia que eu estava
casada, e ligou para o Fernando pedindo meu telefone. Meu marido fez
uma sacanagem: deu um número errado. Em seguida, ligou para o telefone
que tinha dado e avisou: ‘O Tom Jobim vai ligar aí procurando uma
Lygia, mas o telefone é tal’, e deu outro número errado. Os amigos ficaram
sabendo dessa história, inclusive o Tom. Talvez daí tenha surgido a frase na
música que fala do telefonema que foi engano.”
Na tarde em que se conheceram, ele tinha que dar uma entrevista
para a revista Manchete e convidou Lygia e sua amiga Cecília para irem
com ele. “Fomos no fusquinha azul-claro do Tom. Eu usava uma saia de lã
e um suéter de cashmere”, detalha Lygia. Num intervalo qualquer da entrevista,
Tom escreveu um poema que ela guarda como se fosse um tesouro:
‘Teus olhos verdes são maiores que o mar/ Se um dia eu fosse tão forte quanto
você/ Eu te desprezaria e viveria no espaço/ Ou talvez então eu te amasse/ Ai
que saudades me dá/ Da vida que eu nunca tive’ (A.C.J).
No fim da entrevista, Tom a levou em casa. “Nos despedimos no carro,
com um beijinho no rosto. Fiquei nervosíssima, mas parou ali. Tom era
casado... Aquela carona foi nosso único encontro a sós. A música fala de
tudo o que não aconteceu: o cinema, o passeio na praia... ”
Foi o suficiente para que a mente abençoada de Tom Jobim projetasse o
samba-canção homônimo com a seguinte letra:
“Eu nunca sonhei com você/ Nunca fui ao cinema/ Não gosto de samba
Não vou a Ipanema/ Não gosto de chuva/ Nem gosto de sol
Eu nunca te telefonei/ Para que se eu sabia/ Eu jamais tentei
E jamais ousaria/ As bobagens de amor/ Que aprendi com você
Não, Lígia, Lígia.
Sair com você de mãos dadas/ Na tarde serena/ Num bar de Ipanema
Andar pela praia até o Leblon
Eu nunca me apaixonei/ Eu jamais poderia/ Casar com você
Fatalmente eu iria/ Sofrer tanta dor/ Pra no fim te perder
Lígia, Lígia
Você se aproxima de mim/ Com esses modos estranhos/ Eu digo que sim
Mas seus olhos castanhos/ Me metem mais medo/ Que um raio de sol
Lígia, Lígia.”
Com essa letra, Tom a entregou para Chico Buarque gravar no LP Sinal
Fechado, de 1974, aquele em que ele gravou somente músicas compostas por
amigos, por estar com a obra censurada. Tanto que Chico deu um toque de Midas
na letra, mas evitou colocar seu nome na parceria para driblar a censura.
A musa estava sozinha em casa quando ouviu no rádio, pela primeira vez,
Chico cantando Lígia. Ainda de acordo com a reportagem: “Fui correndo comprar
o disco. Na hora, me vi na letra. Ser homenageada já é maravilhoso, ainda
mais pelo Tom, com uma música linda e sofisticada... É uma glória. Claro que
a música rendeu comentários e Fernando ficou uma fera. Durante os 19 anos
em que fui casada, Tom evitou o tema. Estivemos juntos em vários lugares, tipo
réveillon na casa de Jorge Amado, eu com Fernando e Tom com Ana – sua segunda
esposa – mas ninguém falava nisso”.
A primeira e única vez que Tom Jobim admitiu para Lygia ser ela a inspiradora
da música, foi num encontro casual na COBAL, um misto de sacolão
e ponto de encontro, localizado no bairro do Leblon, endereço do restaurante
Plataforma, onde Tom freqüentemente encontrava-se com os amigos. “Está
chegando a minha musa!”, teria dito ele.
Lígia foi gravada no Brasil, entre outros, por Lúcio Alves (1975), Tito Madi
(1976), pelo próprio autor, no LP Urubu (1976), Wilson Simonal (1979), Milton
Banana Trio (1980), Simone (1989), Leny Andrade e Cristóvão Bastos (1995), João
Gilberto no LP Melhores de Dois Mundos (1977, Brasil), com Stan Getz e Miúcha e
ainda no CD João Gilberto in Tokyo (2004). Nesta gravação, João Gilberto faz uma
ligeira alteração na letra:
“E jamais ousaria as bobagens de amor
Que outro vai te dizer...”
1 Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim 25/1/1927 Rio de Janeiro-RJ 8/12/1994 Nova York-EUA.
2 Edição de novembro de 2000.
Ruy Godinho
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