quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Ninguém me Conhece: 27) Lis Rodrigues, a Musa do Caiubi

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Todos os grandes movimentos musicais contaram com suas musas. Com o Clube Caiubi não poderia ser diferente. Ela atende pelo nome de Lis Rodrigues. Claro que por lá passaram (e passam) muitas outras, como Lucia Helena Corrêa, Bárbara Rodrix, Vanu Rodrigues, a própria Kana, entre outras, mas Lis sintetiza bem o que é o Caiubi, pois suas características são as do próprio clube. Lis é eclética, perseverante, guerreira, positiva, tem espírito de coletividade e, sim, acredita sempre. Vai na frente, apontando tendências, dando voz a seus compositores prediletos, um pé na tradição, o outro na vanguarda, como o próprio Caiubi. E tudo isso do alto de seu pouco mais que metro e meio. O talento, contudo, é inversamente proporcional.
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A primeira vez que nos deparamos com ela no palco do
Caiubi, vimo-la agigantar-se, tanto que Kana, no calor do momento, sussurrou-me: “Nossa, parece uma Janis Joplin brasileira!”. Certa vez ouvi comentário de Roberto a respeito de seu amigo de fé e irmão camarada que cabe muito bem em Lis Rodrigues. Dizia o Rei que Erasmo, se não era um grande cantor, era excelente intérprete. É assim Lis. Musa, sim, diva, não. Pois ela não tem a afetação das divas. Não carece de caras e bocas pra se fazer entender e passar seu recado. E o passa muito bem, pois sabe o que canta. Se você nunca foi ao Caiubi, quando for, peça-lhe que cante Boleiros, de Vlado Lima, e verá que momento mágico é, com a plateia em êxtase cantando junto. Uma verdadeira celebração.
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E, de uns tempos pra cá, Lis vem se tornando também uma letrista de muita inspiração. E eu, que nunca vi com bons olhos essa onda de cantoras-compositoras, cujo filão foi aberto por Marisa Monte (segundo Ayrton Mugnaini, a moda começou nos idos dos 80), que chegam pra fazer concorrência ao compositor não-cantor, tiro o chapéu pra Lis por um motivo: enquanto muita cantora se torna compositora da noite pro dia apenas pra abocanhar também a parte dos direitos autorais, Lis tem uma qualidade nata do letrista, a originalidade dos temas. Tanto que o talvez maior clássico do
Caiubi é dela: Cisco no Olho. Claro, há a melodia pra lá de inspirada de Sonekka unida à criatividade ímpar de Ricardo Soares, mas a canção nada seria sem os versos geniais “hoje você é somente um cisco nesse meu olho/ não significa nada e ainda assim/ me faz chorar”.
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Certa vez protagonizei com ela experiência das mais saborosas, que é também eficaz exemplo de que em criação não se põe camisa de força. Compartilhávamos uma mesa no
Caiubi e, cansados de esperar pelo garçom, que nos trouxera uma cerveja e um único copo e não voltava nunca pra trazer o segundo, resolvemos compartilhar também o solitário copo. De repente, não me lembro bem se foi num guardanapo, Lis escreveu um verso e me mostrou. Meio que de brincadeira, escrevi um segundo verso e lhe devolvi o papel. Ela não se fez de rogada e me devolveu o papel com um terceiro verso. Quando pensamos que não, estávamos compondo uma letra ali, na hora, como se jogássemos damas. Mandamos a letra pra Clarisse Grova, e a brincadeira se transformou numa bela canção, Invasão*. Repetimos a dose outras vezes, de diferentes maneiras, só pra variar... e farrear.
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Sua incursão no mundo das letras, contudo, teve em Marcio Policastro um incentivador parceiro. E uma química perfeita. Dentre as várias parcerias que ambos têm, há uma que me encanta particularmente, chamada Braseiro**. Confesso que, quando Marcio me mostrou a canção e eu pude ler a letra, não deixei de ser acometido por certa incredulidade. Sabendo ser Lis, àquelas alturas, uma letrista novata, não conseguia crer que pudesse ter escrito tão lapidados versos e com métrica tão perfeita. Aos leigos, um pequeno esclarecimento: quando o letrista faz uma letra antes da melodia, facilita muito a vida do melodista escolhido se lhe entregar esta com versos de métrica igual. Se a letra for boa, e o melodista idem, este, ao pôr os olhos naquela, já sai praticamente cantando. Foi o caso de Marcio nessa canção. Um dia não me contive e perguntei a Lis como tinha feito aquela letra. Sua resposta me fez sorrir, pois ela se utilizara de recurso a que não poucas vezes eu próprio recorrera. Disse-me ela que
Alexandre Lemos lhe dera preciosa dica: Este lhe havia dito que algumas vezes se apropriava de alguma canção conhecida (pelo menos por ele, claro) e compunha na métrica desta outra letra. Foi o que Lis fez. E eu que me achava muito esperto!
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Quando digo que Lis é a musa do
Caiubi, não o faço em demérito às outras. É porque ela tem, antes de tudo, digamos, direito ao título, pois, naquelas primeiras noites, quando ninguém acreditava, praticamente não havia público e a casa nem se pagava, lá estava ela, confiante, dando corpo e alma (e voz) à causa. Pouco tempo depois, já com a casa cheia, ficou fácil chegar e cantar. Mas Lis sempre foi assim, desde que a conheço, cheia de invencionices que não deixavam o clube cair no marasmo. Já nos primórdios, uniu-se aos belos compositores Tito Pinheiro e Max Gonzaga e formou com estes o grupo Trinca Caiubi. Aliás, este foi o primeiro dos muitos grupos que se formaram lá. Daí por diante Lis não parou mais, sempre aprontando alguma das suas. Neste ano que se encerra, chegou mesmo a unir-se novamente a Max pra uma temporada de casa cheia em alguns bares de Sampa. Prepara dois discos ao mesmo tempo, cada um com linguagem e arranjos distintos, e ainda promete um disco de samba na sequência. Tenho cá comigo que se lhe sobrasse grana, já andaria pelo décimo.
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Por fim, um dado importante: nos últimos tempos o Clube Caiubi tem incomodado algumas pessoas, por ser visto como tendencioso e reducionista. Ora, o Caiubi, como todo grupo formado por pessoas, não está livre de ter entre seus membros sempre alguém que diga bobagens acerca de outro grupo ou movimento. Contudo, antecipo aos possíveis ofendidos o óbvio: Um indivíduo, se não autorizado pelo grupo, não pode falar em nome deste. Assim sendo, se em algum lugar você se deparou com algum “caiubista” bêbado e falastrão, releve, esse camarada terá vomitado opiniões exclusivamente dele. Afinal, nunca vi Lis Rodrigues ou Sonekka, os que podem ser considerados hoje os naturais líderes do clube, abrirem a boca pra desmerecer quem quer que fosse que não pertencesse ao grupo. Ao contrário, dotados do espírito de coletividade acima citado, costumam transitar em eventos muitos, como uma espécie de embaixadores, sempre com os braços abertos, e o coração, idem.

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Ouça algumas das invencionices de Lis
aqui: http://clubecaiubi.ning.com/profile/OXdoPoema
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Leia as letras aqui: http://clubecaiubi.ning.com/profiles/blogs/lis-rodrigues ** (Braseiro está lá).
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Visite a página dela no
Caiubi: http://clubecaiubi.ning.com/profile/LisRodrigues * (Invasão é a 21ª).


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Por Léo Nogueira

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