domingo, 6 de dezembro de 2009

MARCO ANTONIO QUINAN

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Baile de Carnaval


Paulão não sabia se ia de Pirata ou de Sheik Árabe: as únicas fantasias que vendiam prontas no seu tamanho. Queria ser como o Alvinho, menor. Paulão era daqueles armários de dois por dois, aparentemente assustava, mas era um doce de pessoa. Informado, bom de conversa. Só não era recomendado tirá-lo do sério, aí o estrago podia ser medido em escala Richter. Carnaval é calor, seja no clima, ou no tanto de gente suando no salão, e diga-se: melhor sempre é pouco pano. Pensou que Adão seria demais para seu autocontrole, não agüentaria ouvir quaisquer insinuações a respeito de sua tanguinha sem reagir. Preferiu Sheik Árabe, pois Pirata não tem tanta expressividade no consciente coletivo feminino como o Omar Sharif provocara suspiros nos primeiros filmes de Hollywood vestido de Sheik. Não tinha bigodinho, mas relevou, preferiu sem.

Tinha combinado de encontrar o Pezão na loja de conveniência, tomar umas cervejinhas para aquecer, e dali iriam para o baile, encontrar as meninas. Já Pezão era alto também, mas inversamente proporcional, diziam que quando usava roupa listrada, a roupa tinha uma listra só. E não era de causar briga, a não ser que estivesse com Paulão. Quando o Corsa velho abriu a porta, desceu Pezão vestido de Drauzio Varela, afinal estava aceitando seu futuro próximo, a calvície.

- Você não combinou com a Liana, Paulão?

- Sim, porque?

- Porque ela me ligou. Está com as meninas no Centro, disse que tá rolando bloco de rua. A CET conseguiu fechar o Elevado.

- Sério. Pô, foi difícil pra arrumar esses ingressos. Será que elas não vão ao Clube?

- Vão sim. Você acha que a Roberta vai deixar barato? A Matilde disse que vai de qualquer jeito.

- A Matilde vai? – empolgando.

- Sim, Vamos levar o “esquenta” pra lá, o nome do bloco é “Os Invertebrados”. Disse que tem estandarte e o escambau. A gente toma umas lá.

- Com esse nome...

- Diz que a mulherada quando bebe fica mole, mole. Chega até a envergar no teu ombro, mas dependendo da competência, pode ser em outro lugar.

- Porra, mas e o Alvinho, Ferreira e o Dedé?

- Eles estão lá, vamos todos depois.

E seguiram no Corsa do Pezão pela 23 de maio ouvindo Paulinho da Viola, só para abrir o apetite. Toca o telefone do Paulão.

- Alô.

- Paulo é a Vera.

- Onde você tá mulher?

- Ainda em casa.

- Você não ta com as meninas?

- Áiii!!. Não, o arranjo de frutas não tá cabendo na cabeça. Cai toda hora, tá apertado.

- Você vai de quê?

- Carmen Miranda.

- Não tem problema, na hora faz aquele gesto de mão no cotovelo contrário que dá na mesma.

- Vocês falaram com a Liana?

- Sim, ela tá no Centro, o pessoal tá lá, e já estamos indo.

- Vou dar um jeito aqui e também tô indo. Beijos

Encontraram-se todos no Elevado, depois de muitas ligações perdidas e chamadas não atendidas. Estavam todos lá. Alvinho e Dedé, inseparáveis, com o Ferreira sempre a tira-colo. O Alvinho de Praga da Xuxa, com aquele olhar peculiar parcialmente estrábico. O Dedé de Dengue, pois tinha combinado com o Alvinho de não deixá-lo na mão nunca mais como acontecera no ultimo carnaval. Fora de Padre, abandonando o rol o super heróis, e deixou o Alvinho de Superman, com seus poucos 1.53m de altura ouvindo todo tipo de gozação: de chaveirinho da Sala da Justiça proferido as gargalhadas por uma loira fenomenal à hipérbole mal formulada por um catedrático em figura de linguagem, fantasiado de gueixa. Falta de comunicação. Aquilo marcara a amizade, e magoara. Mas nada como o tempo. Só que esperavam que o Ferreira fosse de Marlene Mattos para completar a linha de raciocínio do trio, mas a peruca encaracolada ficou muito grande. Então Ferreira fez uma plaqueta escrita: “Vô dá 10 paus!” e foi de Araci de Almeida.

Vieram aqueles comentários a respeito das fantasias, tirações de sarro, o Ferreira brincando que o cabelo da Liana, como Princesa Lea, parecia dois palmiéres de padaria; o Alvinho encarnando na falta de competência da fantasia de bruxa da Roberta no que dizia respeito a criatividade, pois com aquele nariz faltava originalidade (além da roupa preta, de fantasia mesmo, só a uva passa colada na ponta da napa com durex dupla-face). E nessas chegou a Vera. Conseguiu um chapéu de frevo, inverteu para poder abrigar as frutas, chegando no meio do “Mamãe Eu Quero”. Alvinho disse:

- Eu podia ter vindo de tico-tico, assim eu bicaria o seu fubá. – seus xavecos eram que nem seu estrabismo, nunca dois acertavam o mesmo alvo.

O único que não tirou sarro foi Paulão, elogiou a Odalisca da Matilde, dizendo que se montasse um harém a teria como titular, ou primeira mulher. Paulão, mesmo aparentando ser um estivador, seria capaz de derrubar florestas com uma única frase. Um charme bruto.

As marchinhas se estendiam pela rua. Músicas da antiga. Tinha um senhor, do alto de seus 75 anos, tocando um trombone veemente. A Liana, conhecendo os baluartes do Bloco, dizia rindo, que quando os amigos perguntavam como ele tinha tanto fôlego, ele respondia:

- Como assim, eu nessa idade ainda fodo.

E os amigos, descrentes retrucavam:

- Só se for com a nossa paciência.

Os ambulantes com os olhos brilhando pelo movimento, e o Dedé também. Nunca tinha visto uma prostituta tão gostosa quanto aquela loira. Saia preta de couro, pernas mais firmes que lacre de malote, pele bronzeada, e seios que alimentariam trigêmeos. O problema era se ela fosse original e cobrasse. Na dúvida sublimou seu desejo.

- Gente, tá escurecendo. Não é melhor a gente ir? Vai ter fila, vocês sabem. – disse Roberta aprisionando sua vassoura entre as pernas, ajeitando o chapéu, e soltando sua chatice peculiar para desfilar no Elevado.

- Calma, agora que tá ficando bom. – respondeu Pezão.

Só que “Os Invertebrados” estavam um osso duro de roer. Ferreira propôs que tomassem a saideira e votassem a ida ao Clube. Pezão concordou, diagnosticando que ali o máximo era mais meia hora até que os moradores jogassem quaisquer tipos de hortifrutigranjeiros na multidão. Liana foi o voto de Minerva. Era mulher fina, ponderada, apesar de ter achado o máximo aquele homem fantasiado de Omo Dupla Ação, teve que concordar que estava uma merda. Todos acataram. Combinaram de encontrar na porta.

Entraram no Clube, e de cara viram que não seria fácil sair dali: toneladas de bebidas, confete e serpentina espalhados por cada metro cúbico, o taco do salão encerado e conseqüentemente escorregadio, as áreas externas liberadas caso alguém quisesse tomar um ar em boa companhia e o cheiro de alegria espalhado pelos dois andares do Salão Nobre. Os homens muniram-se de intermináveis fichas de cerveja e as mulheres de planos estratégicos de posicionamento, bem como combinaram a seqüência alternada no trenzinho, deixando a Roberta intercalada entre Praga e Dengue, com Liana desabafando para Matilde:

- Essa é uma água parada, merece!

No entanto, trenzinho era pra depois. A festa estava esquentando. Já se ouvia a seqüência de Alalaô a As Águas Vão Rolar. E já estavam rolando dentro dos copos descartáveis brancos, pecado mortal para a cerveja. O Alvinho não dera nenhum grande vexame, a Vera não tinha discutido agressivamente com nenhum homem ainda e nem mesmo sacou uma carambola da cabeça para espantar engraçadinhos, Ferreira não tinha encontrado nenhuma coroa que merecesse 10 (embora nunca tivesse um departamento no cérebro de controle de qualidade, se vê por aí). Pezão estava sóbrio. E nem a Liana tinha conjugado em suas frases verbos como seduzir, embevecer, transtornar, dissimular, ou transgredir. Dedé e Paulão foram ao banheiro juntos, e num ritual estritamente feminino, confabularam:

- E aí, alguém que você tá a fim? – perguntou Dedé.

Paulão, em timidez gigante.

- Aquela mulher gato tá ótima, mas o marido não.

- Porra, mas e aquela Joana D`Arc?

- Tá com aquele de fantasia de português, parecendo o Cabral.

- Sério? A Vera me disse que esse Cabral aí é fogo de palha. Falou que ele cisca, cisca, mas não sabe o que fazer, nem pra onde ir.

- Ahhhhhh!! – relaxando o elástico da cueca.

- Cara, e a Matildinha?

- Parceiro, não fala o nome dessa mulher senão a associação à imagem entope o corpo cavernoso. Aí eu não mijo – gargalhando.

- Paulão, acho que aqueles véus...tirando com a boca...um por um dos sete...

- Matildinha, ai Matildinha...E você?

- Com esse colan de Dengue fica difícil. É lycra e fica foda da mulher não assustar, principalmente aquela Jane. Que pernas maravilhosas! Imagina a protuberância e o intumescimento.

- Como tá o autocontrole?

- Tá foda. Já são duas e meia da manhã. Não quero nem saber. Vou chegar naquela gostosa de vestidinho branco e diadema de flores no cabelo. Vou chamá-la de Mãe Natureza e falo que sou subproduto de sua criação, ou que o Dengue aqui é um devaneio epidêmico.

- Tá falando difícil a essa hora? – provocando riso mútuo.

E naquela gargalhada, dissimularam a obrigatoriedade da higiênica lavada nas mãos, voltando rapidamente para o campo de batalha. O Baile ia de vento em popa, gente escorregando no taco encerado, um bafômetro ali iria causar transtornos. Os foliões já se deparavam com a seguinte situação: aquele senhor grisalho com o tradicional chapéu de marinheiro, já tinha bebido Campari demais; a senhora de meia idade vestida de Cigana, daquelas que faz no Natal a melhor torta de frango na família, estava rebolando em cima da mesa, com o olhar de reprovação do marido; o cunhado tentando embriagar o sogro, alegando que Almadén quente não dava ressaca; a Mulher Maravilha sendo vítima do martelinho colorido de um Pierrô 25 de março; um cara de Gelatina Royal com a boca lotada de confete; o Pezão beijando a Roberta numa daquelas insanidades desconexas do Carnaval; a Vera tirando uma maçã do arranjo de cabeça e colocando singelamente na boca de um dos três porquinhos numa sedução culinária estranha; o Ferreira tão bêbado que nem viu a plaqueta quebrada ao meio somente com a inscrição “Paus!!” não entendendo porque um cara vestido de escocês (gaita de fole, saia quadriculada, e perna branca) o olhava tanto; o Dedé já sentado com a tal Mãe Natureza em uma conversa bem ao pé do ouvido constatando que aquele papo de devaneio epidêmico foi bem pensado e na mosca; a Liana com o olhar perdido para o Omo Dupla Ação não acreditando que ele fora lá; o Alvinho metido no meio de uma roda de enfermeiras onde batia no umbigo da maioria delas (só depois descobriu que era um time de vôlei); e Paulão com a Matilde conversando lá fora:

- Você sempre me tirou o sono, sabia?

- Não fala isso, a gente se conhecesse há muito tempo, esse negócio de misturar amizade... – querendo colher maduro.

- Eu sei, só que a diferença é que quando a gente se olha não é só amizade. Trocaria todo meu harém por você. – assim, simples, objetivo, e dócil.

Naquele momento tocou Noite dos Mascarados embalando o beijo. O Carnaval estava acabando, e a manhã se aproximava sorrateira, assim, devagar, da mesma forma que o Ferreira fugia, pé ante pé, se esquivando pelas pilastras do Salão Nobre, do escocês com a gaita de fole.

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