quinta-feira, 18 de junho de 2009

THEATRO DA PAZ - BELÉM

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História artística do Theatro da Paz vai de Carlos Gomes a Ballet Kirov, passando por intérpretes e compositores paraenses do mais alto gabarito.

Já era tempo de a Província do Grão-Pará ter uma casa de espetáculos. Porque o Teatro Providência, que recebera tantas companhias itinerantes e acolhera um público ansioso por diversão - o velho Providência, em 1872, ardera quase todo em chamas.

Recomposto superficial e sumariamente, o teatrinho Providência ainda por vários anos receberia troupes de fora e grupos locais, sendo ali como que a germinação de um futuro teatro paraense, apresentando o colorido de grupos pastoris, recitais de poesias, concertos do clubes Mazart, Verdi e Sociedades Musicais, enquanto a lenta burocracia não entregava ao povo o novo Theatro Nossa Senhora da Paz.

Os espectadores, que eram os cidadãos mais abastados da Província, nas noites de espetáculo acorriam ao pequeno prédio de madeira, levando seus criados, uns a clarear as ruas do percurso com archotes, outros a carregar cadeiras e bilhas com água para que seus senhores pudessem aplaudir o que iria acontecer no palco tosco, á luz de lampiões de óleo de andiroba.

A lágrima e riso se alternavam nos dramas e farsas, juntamente com o boquiaberto espanto ante a representações circenses de contorcionismo de malabaristas e truques de engole-fogo. As óperas Trovador, Rigoletto, Macbeth de Verdi e Barbeiro de Servilhai de Rossini eram apresentadas de maneira adaptadas às condições da casa. Essa era o menu que o Teatro Providência apresentava, sacudindo a quietude de uma população ainda sem gosto artístico definido.

15 de Fevereiro de 1878. Noite de gala. Inauguração do Theatro Nossa Senhora da Paz, depois Theatro da Paz.

A festa de abertura foi montada pelo empresário pernambucano Vicente Pontes de Oliveira, contratado pelo governo municipal para exercer, durante um ano, a direção dos espetáculos no teatro a ser entregue aos paraenses. O maestro maranhense Francisco Libânio Colás, incumbido de organizar uma grande orquestra para tocar nessa noite, arregimentou músicos de quatro bandas para o evento no novo espaço.

A peça de estréia foi o drama de A. D'Ennery, As sociedades como a Phil'Euterpe, Lyra Paraense de Santa Cecília e o conservatório Dramático Paraense já movimentavam o perfil artístico da Província.

A sociedade estava sendo progressivamente preparada para realizar os seus momentos de arte com pessoas da terra. Durante dois anos o público continuaria a ver nesse teatro, grupos membembes com apresentações de cunho farsesco e dramas de conteúdo lacrimoso.Na verdade a acústica excelente, o interior luxuoso, a arquitetura original que introduzia o prédio logo ao nível da rua, sem intervenção de escadaria externa, davam ao teatro um encanto todo próprio e a sociedade começava a entender que o novo ambiente deveria transmitir muito mais do que dramas de gosto incerto e bailes de carnaval.

Em 1880 chega a Belém a Companhia Lírica Italiana de Tomas Passini. Apresentou Ernani, de Verdi. Trazia como regente da orquestra o maestro Enrico Bernardi, largamente conhecido nos palcos europeus.

Nesse mesmo ano O Guarani teve sua estréia no Teatro da Paz, com regência de Enrico Bernardi. Era a primeira ópera de autor brasileiro com assunto nacional. Delírio na platéia, mesmo que Carlos Gomes não estivesse presente.

No ano seguinte em 1881, o público aplaude Henrique Gurjão na estréia de sua Idália, primeira ópera de compositor paraense, sob regência do maestro Cimini. Foi uma verdadeira consagração.

Em 1882 ouve-se novamente a música de Carlos Gomes no Teatro da Paz, desta ves com a presença do Maestro campineiro.

A ópera é Salvador Rosa, regida por Enrico Bernardi. É conhecida a grandiosa homenagem que o Pará prestou ao genial compositor. Flores, fitas com o nome do maestro em fios de ouro, marche flambeaux, poesias, cobertura intensa dos jornais, homenagem dos músicos e poetas locais, ovações prendendo ao palco o vitorioso compositor de O Guarani.

Em 1890 José Cândido da Gama Malcher estréia no Theatro da Paz sua ópera Bug Jargal e em 1891 Ettore Bosio leva a cena O Duque de Vizeu. Helena e Ulysses Nobre apresentam-se nesse palco, em 1906. Ela canta Mia Picirella, da ópera Salvador Rosa.

Em 1908 houve o fechamento do Instituto Carlos Gomes. É então que João Pereira de Castro, José Domingues Brandão, Cincinato Ferreira de Souza e Ettore Bosio agrupam professores e alunos, passando à história como os reorganizadores do Instituto.

Maria Helena Coelho Cardoso, aluna dessa segunda fase viria a ser uma das glórias do canto lírico no Pará, com belas exibições nessa casa de espetáculos.

Em 1917 a platéia aplaude o músico Alípio Cesar, da cidade de Cametá. É a estréia de sua ópera Notte Bizarra, talvez a única ópera cômica de autor paraense.

Pelo palco de Theatro da Paz haveriam de passar grandes nomes de artes, além dos já citados, como Anna Pavlova, Bidu Sayão, Tito Schipa, Beniamino Gigli, Waldemar Henrique, Guiomar Novaes, Tamara Taumonova, Procópio Ferreira, Cacilda Becker, Margarida Lopes de Almeida, Renato Vianna, Henritte Morineau, Natalia Thimberg, Bibi Ferreira, Paulo Autran, Fernanda Montenegro, Glauce Rocha, Maria Della Costa, Tonia Carrero, Francisco Mignoni, Oriano de Almeida, Arthur Moreira Lima, Nelson Freire, Arnaldo Cohen, Miguel Proença, Maria Lucia Godoy, Leila Guimarães, Lenice Priolli, Victoria Kerbauy, corpo de baile do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, Ballet Kirov, Les Etoilles de I'Opera de Paris, Ballet Stagium.

Impossível e até entediante a enumeração completa dos artistas que aqui se apresentaram ao longo de 124 anos, daí porque, muitos deles não constam deste artigo.

Refletir na presença do Theatro da Paz e no que ele representa para os paraenses, apenas vislumbrando o brilho de importantes, porém esporádicas figuras que por seu palco passaram, seria fazer uma leitura tanto mais direta quanto mais incompleta do muito que artistas tiveram e têm oferecido, sob as luzes mágicas dos refletores.

Ressaltem-se intérpretes que imortalizaram nesta casa as composições de Altino Pimenta, Waldemar Henrique, Jayme Ovalle, Paulino Chaves, Meneleu Campos, Raymundo Pinheiro, Tó Teixeira, Wilson Fonseca. Vozes paraenses, na tradição do canto lírico como Maria Helena Coellho Cardoso, Adelermo Matos, Marina Monarcha, Alpha Oliveira, Márcia Aliverti, Adriana Queiroz, João Augusto Ó de Almeida, Reginaldo Pinheiro.

Como não se lembrar das grandes concentrações de orfeões regidos por Margarida Schiwazappa, Maria Luzia Vella Alves, Maria Araújo Figueiredo; das regências marcantes de Nivaldo Santiago, João Bosco da Silva Castro e Silvério Maia? Isso sem falar na atuação da Fundação Carlos Gomes, como o seu Festival Internacional de Música do Pará, que atrai jovens para o nosso teatro; e da Escola de Música da UFPA, que promove o Encontro de Arte.

Também é importante registrar o surgimento da Orquestra sinfônica do Theatro da Paz, atualmente regida pelo maestro Barry Ford, cujo contingente de músicos é formado quase integralmente por paraenses.As efemérides em torno da figura fundamental de Carlos Gomes jamais passaram em branco na programação do teatro.

Em 1986, no sesquicentenário de nascimento do compositor, a então Secretaria de Cultura, Desportos e Turismo do Pará e a Secretaria de Cultura de São Paulo trouxeram a Belém uma montagem de O Guarani, com Niza de Castro Tank como Ceci e Benito Juarez na regência. Dez anos mais tarde no centenário da morte de Carlos Gomes, a Secretaria de Estado da Cultura do Pará homenagearia novamente o compositor, com o espetáculo 100 Anos de Saudade, que apresentou obras raras e inéditas.

Num cenário mais recente, nosso teatro tem assistido aos arranjos e composições de Paulo André Barata, Luiz Pardal, Tinoco, Salomão Habib e Serguei Firsanov, em uma visão moderna de peças de Waldemar Henrique. Outro espetáculo marcante foi a montagem de Fosca, com Gail Gilmore e a National Opera Sofia sob regência do maestro Luiz Fernando Malheiro.

Tal como uma viagem a um lugar muito rico de belezas e informações, de cujo manancial não conseguimos nos apropriar, assim é o nosso passeio pelos espetáculos de arte que o Theatro da Paz nos tem oferecido. Como na viagem, ficarão sempre muitas coisas que se viu e das quais nem é possível falar. E temos vontade de voltar, de ver e ouvir de novo, num eterno recomeço.
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Publicado no -
http://ronaldofranco.blogspot.com/
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