domingo, 21 de junho de 2009

MARCO ANTONIO QUINAN

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Control + alt + del...


Dia do Apocalipse. Aquela coisa de inferno astral misturada com pane geral temperada com doses cavalares de mau funcionamento de todos os sistemas: nervoso, central e periférico. Tanto do homem quanto da máquina. É sábado. Nostradamus chutou pra fora. Longe do gol... Estamos em 2008. Que Bug do Milênio uma ova! Pane. Colapso. Nervoso. Dizem que as coisas só funcionam depois do carnaval. Mentira. Acordei para reiniciar os trabalhos neste livro, no entanto o computador não ligou. O século 21 é o do avanço tecnológico. Mentira. O computador não liga.

Como homem do século 21, não entendo nada de tecnologia. Nem deveria. O aparelho de som de outras décadas só precisa que você pressionasse o “On” para ligar. Eu pressionei o do computador, ele não liga. Conferir se está ligado na tomada. Sim, está. Mas não liga. Não entendo como o Chevette do vizinho, de 30 anos atrás funciona, meu computador não. Deve ser a maneira como apertei o botão. Vou tentar de novo. Agora com carinho, como gente, não como máquina. Nada. Aparece uma luzinha vermelha. Tem força. Tento “desligar e ligar de novo”, a única tecnologia que conheço. Nada. Tapa no gabinete. Nada. A Telefunken lá de casa obedecia. Não sei se era porque a madeira em volta do imenso tubo transmitia a força da raiva em,”Liga cacete!”. Nada.

Fiz café, acendi um cigarro, andei pensativo pela casa, com aquele olhar de quem está para entrar numa reunião de negócios com empreendedores japoneses. Volto e de longe olho para ele, imóvel, provocando minha paciência. Tapa de novo. Lembro do dia anterior, quando para solução do mesmo problema, repeti procedimentos em ordens alternadas. Tentei lembrar como ele tinha ligado. Então repeti o procedimento: liguei a força, apertei o botão de ligar, alternando com o de “reset” 38 vezes, apoiei os metacarpos na porção central do gabinete, pensei em Santo Expedito, sem a túnica, sorri parcialmente com a face esquerda e... Nada! Talvez fosse o santo. Sempre confundo o Santo Expedito com um cara do filme da Sessão da Tarde em época de Páscoa.

Lembrei que poderia ser a placa mãe, uma dessas peças que você ouve falar e entende com a mesma estranheza que uma mulher entende as peças de seu carro. “O problema dona é a homocinética!” Coloquei-me no lugar de uma mulher. Achei melhor trazer a tona um drama, criar uma situação impactante pra solucionar um problema simples, ou chantagear emocionalmente se precisasse. Passei a mão no telefone, para ligar para um amigo, e o telefone não funcionava. Então fiquei vermelho de raiva e pensei se em casa teria bom bril, aquele que colocávamos na antena para algo eletrônico funcionar. Cheguei com a palha de aço ao lado do computador. Pude sentir seu recuo. Repeti o procedimento segurando um bom bril. Só que desta vez não pensei em nada, confesso. O computador acendeu a luz vermelha, fez um barulhinho diferente e: nada! Se fosse um carro, pensei, o problema seria no alternador, algo que levasse energia ao arranque. Faltava a peça que reprimia a preguiça.

Ventoinha ligada, luzinha vermelha acesa, fé na breve aula de mecânica que tive com um companheiro da oficina que trabalhei (onde troquei pneu por um mês e só tinha aprendido até então que o elevador de carros não desce até o final, senão quebra. Paguei com meu salário)... Ventoinha ligada, luzinha vermelha acesa, tudo pronto e nada de funcionamento? Já sei, manha! Tentei falar com ele, como fazem com as samambaias. Voz em timbre suave tentando recorrer a sua compaixão, algo melancólico, triste, Prêmio Oscar de melhor chantagem emocional. Subitamente, enquanto prendia sua atenção, corri e repeti o procedimento muito rapidamente, para pegá-lo desprevenido.

Aperta botão, acende a luz, corre cotia, cambalhota e 3 batidinhas na madeira da escrivaninha. Nada. Abri a caixa de ferramentas e peguei um martelo. Sim, se chantagem não funcionava o jeito era partir para ferir a integridade física. Quem tem gabinete, tem medo.

O céu desaba numa chuva repentina e de verão. Cai a força. Começo a achar que se Deus existe no organograma da empresa, e está acima de Bill Gates. P.C. Puta Canseira! Sábado, sem luz, sem telefone operando, chovendo, sozinho com as idéias pulsando na cabeça, com elefantíase no saco, dor nas costas de tanto abaixar para ligar e desligar a força, dedo inchado de tanto empurrar o botão que “liga” o computador...

Espere! Já que o livro não pode ganhar andamento, porque não fazer uma música sobre isso? Essa coisa do complô eletrônico, da incompetência tecnológica criada por nós mesmos, das máquinas dominando nossos neurotransmissores, quem nasceu primeiro ovo ou a galinha, nós estamos a serviço da tecnologia ou ela de nós, Tostines, nossa! Quanta idéia. Vou fazer uma música. Deixa pegar o violão.

É sábado, quando os compositores criam suas obras primas. Talvez seja tão visceral essa música que talvez veicule pela internet e venham me entrevistar. Talvez façam de mim um artista multimídia, exponham essa faceta interessante do ser humano não-completo, inacabado, com algo para compreender. Talvez tenha mensagem, mesmo sem conexão de banda larga, sem PC ligado. Talvez não seja preciso. Não importa o meio, pode não ser eletrônico. Há poucos anos não tinham nada, quem sabe retratar o choque cultural provocado pelo avanço desenfreado e radical da tecnologia. Senha disso e daquilo. Basta um homem segurando uma madeira com cordas. Que poético!

Coloco o violão no colo. Preparo um acorde nos dedos. Troveja forte. No susto, o “mi” maior é tocado com força. Arrebenta duas cordas do violão: os dois mis. Mizinho e Mizão. O jeito é me dar control + alt + del.

Vou voltar pra cama.

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2 comentários:

  1. Já que vc não sabe usar um micro, porque não volta à usar máquina de escrever? Ou o seu negócio é somente reclamar para justificar não fazer nada?

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  2. Anônimo,

    Vou presenteá-lo com uma máquina de escrever e vamos ver o que vai acontecer.

    Um abraço.

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