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Para Marina
Primeiro ato
Todos os dias
A cidade grande tentará me engolir
Neles finalizarei alguma coisa
E começarei outra
Em alguns momentos
Poderei estar muito feliz
Noutros esperarei
Com a paciência da determinação
Porque meu tamanho
É maior que sofrimento e dor
Segundo ato
Quando dôo o meu fazer
Sob o sol da praça pública
A cidade com sua estridência aceita
E respeitando
Assiste meu olhar
Retirar miudezas de suas entranhas
E o humano universo
Que vive em seus habitantes
Atravessa-me e mostra
O caminho prazeroso de andar
Terceiro ato
Um dia é todos os dias
Na disputa por um lugar na rua
Moradores apenas com o senhorio
De suas vontades e suas carências
Habitando o costume de senti-las
Põe seus improvisos cara a cara
Com a informalidade e, miúdos,
Entram na cena do meu oficio, encenam
Quarto ato
O assalto se concretiza
A ternura deles rouba a minha
E deles roubo o que caracteriza
O meu personagem instante a instante,
Improvisando o atraente por si
Nessa hora todos se transfiguram,
Não há solidão e a cidade disfarça
Sua vontade de querer dançar
Quinto ato
Tudo será intenso
Então é muito bom ficar sozinho
Sentir o ritmo do corpo
Prepará-lo para o que se pode
Entender que é santificado
Somente porque te pertence
E move a vontade de caminho
De chegar para partir
Desinibindo o passante
E o dono do lugar sem dono
Sexto ato
Calma, cidade de concreto abstrato
Morro um pouco todos os dias
Pelas suas avenidas, esquinas e ruas
Não me queira duma vez
Apenas posso te desvendar
Porque continuo calmo
Só respirando, se preciso for
E a solidariedade contracena
Comigo todos os dias
Sétimo ato
Sinto medo
Mas posso atravessar todos os momentos
Carregando olhares
Cheios de cumplicidade anônima
Que sentem o mesmo
E elegem viver sem indiferença
Então escolho não adormecer
No leito do seu asfalto nu
E entendo a aridez necessária
Ao são do meu corpo
Oitavo ato
Tenho total consciência de onde moro
Sou muito amado
Aprendi como será minha loucura
E onde quero lucidez
Nenhuma estrutura há de faltar
Quando vier a escuridão
Força que vai dar tudo certo
Força estou aqui ao seu lado
O amor me finca estacas
Reforça todos os meus alicerces
Nono ato
Ah! cidade tão pequena,
Quando sua gente se descobre
Na simplicidade, no perigo
E na grandeza de aprender
Nos meus pais e irmãos
Vejo pessoas, reconheço passos
Nos anônimos, esbarro
Vejo pessoas crio outros laços
Nenhuma dor embaça
Minha consciência, por isso grito
Décimo ato
Acredito no humano
Habitante de cada um, e o enxergo
No viés de qualquer desatenção
Medo ou indiferença
Cidade grande
Igualmente humana nos seus detalhes
Quando permite se permite também
Procede consentindo
Que em suas veias
Não corra o sangue da minha força
Décimo primeiro ato
Qual dor é maior
Que a marca da indiferença dilacerando
Posso tudo que range
Sem conformação, posso contagiar
E transgredir o que esta anestesiado
Calado na miséria social
Meu corpo está pronto
Para contaminar todos os poderosos
E liberar a partilha da generosidade
Retida na beleza humana
Décimo segundo ato
A ti dôo meu sangue, cidade grande,
Quando ouço as histórias
Da gente que vive confundida
Com os protocolos da miséria
Escuto com alegria os que contornam
O jeito do absurdo
Os que me aconselham
Afastar das aparências enganosas
Porque ninguém nada tem
Senão o que está dentro de si
Décimo terceiro ato
E quando displicente
Impõe-me a dor ou qualquer incômodo
Meu corpo pode parecer se acostumar
Mas meu querer não
Por isso minha palavra
Mesmo subserviente é sem medo
Valida o que aprendo
E troco freqüentando suas entranhas
Tenho vício de enxergar
E conviver com detalhes esquecidos
Décimo quarto ato
Ao tentar engolir cidade grande
Deste-me maior tamanho
Os momentos de crescimento
Moram na minha história
São sagrados e foram ungidos
Como verdade humana
Sem estatísticas, procedimentos
E todas as burocracias
Muitos anjos pacientemente
Olharam-me, se deixando olhar
Décimo quinto ato
O carinho passa nas minhas horas
E subverte a relação
Sou também a criança
Que quer poder brincar com a dor
Sinto os muitos gestos
De amor esparramados em volta
E me torno pessoa
Permutando com as outras pessoas
Nossos lados, nossas crenças
E todas as aceitações
Décimo sexto ato
Não és minha casa, cidade grande,
Tens muitas surpresas
Sol e movimentação,
Chuva, frio e muitos pequenos detalhes
Sua arquitetura tem tantos sons
E silêncios cochichando
Mas escutas minha determinação
Que ignora porcentagens
Porque me sentes andar passo a passo
É assim que quero
Décimo sétimo ato
Nada poderá me impedir
Caminhar nas ruas e avenidas
Com suas praças
Já tenho a intimidade dos saltimbancos
E sei tanta coisa que é possível fazer
Para desvendar-te
Quantas haverão de ser felizes
E se farão divertidas
Muito haverei de mensurar
No valor real que tem ser
Décimo oitavo ato
Não tenho que sofrer
E me submeter aos seus números
E podemos trocar atenções
Sem a imposição da alegria
Porque esta eu mesmo quero
Procurar sem promessas
Na acuidade do meu olhar
Sobrevivendo noutro olhar
Entendendo a lembrança
De todos os meus caminhos
Décimo nono ato
Todas as vezes que tentar
Engolir-me, cidade grande,
Aprenderei alguma coisa
Na sua vaidade de concreto
Porque antes de tudo
Sou pessoa e me trato inteira
Meus gestos não se gastam
Quando os dimensiono
E tenho a liberdade
Para a justeza de também perdoar
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MQ
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domingo, 14 de junho de 2009
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