domingo, 15 de maio de 2011

SERTÃO DO SÃO MARCOS - Terra do Cobertão

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A lua, vez em quando escondia, nas poucas nuvens do céu de agosto. O trote era puxado, mas o tempo corria e a pressa de chegar estava no comando da afobação. Noite já fazendo tempo no seu traçado, foi quando ele viu o clarão de fogueira no mato. Desacorçoou da afobação. O nariz sentiu, o corpo seguiu o cheiro que recendia da codorna assada. Era Baldino com a mulada, de pouso no Cobertão.

- É de paiz, seu Baldino.

- Moço Teodoro, achegue.


E já foi retirando as almôndegas da lata de banha para dentro da panela, no reforço com a chegada de Teodoro.


- Lá envou p’ro Vai Vem, ter uma prosa cumprida cum Tó da Gumercinda. O sôr soube da disgrama que foi o nosso à-meia nas terra que o pai deixô. Ele tá me passano a perna, acha que sou besta. Coi’eu mais de vinte carro de milho, fala que foi deiz. Vendeu mais garrote do que bezerro que nasceu e fala que vingô pocos. O sôr sabe.

- Sei não, num labuto cum falação, num ponho disconfio em ninguém seu Teodoro. Sina de tropêro. Ele é seu irmão, avulie melhor, pode sê só fala-ção.


Teodoro era só agonia. Não deu conta de acompanhar a mulada lenta de Baldino, em dois dias já se despediu e seguiu na frente a meio trote. Mais dois estava na vila, na porta da casa do irmão.


- Tó! gritou na porta da casa.

Ninguém respondeu. Ele apeou.

- É Teodoro, Gumercinda. Como vai, meu irmão? Que cara é essa?


- Quero reparti tudo que o pai deixou. Num tem conversa de à-meia, o que é meu, é meu. O que é seu, é seu. Ou então vamo p’ra demanda. Falou Teodoro.


- Que revolta é essa, meu irmão? Num põe tristeza nessa casa não. Vai banhá, Gumercinda vai matar um frango. Que desassussego é esse? E seus estudos?


- Quero não, Tó. Vamo dividir tudo que tô sem tempo.

Assim foi, para tristeza de Tó, que aceitou o que o irmão queria. Dividiram a terra, o gado, toda a criação. A casa que ele morava ficou para Teodoro, o melhor da criação também. Nem as queixas de Gumercinda queria ouvir, era como o irmão queria.


Foi assim que Baldino encontrou Tó, com a família em cima do carro de bois, seguindo no caminho do Cobertão. Umas vinte cabeças de gado, poucas coisas da casa, duas capoeiras com poucas galinhas.


Perguntar, não perguntou nada. O que fez foi abrir a lata, retirar as almôndegas; do embornal, a paçoca e ali, na sombra do caminho, acolheu Tó indo no rumo do começar de novo. Seguiram juntos por todo o caminho com o tempo de um sendo o tempo do outro. Sobre o irmão, nem uma palavra. Foi Gumercinda que contou tudo a Baldino, quando o marido distanciou, na chegada do Cobertão, procurando onde fazer o rancho.


- Tó, vou ajudá inté cobri. A mercadoria que num for de incumenda e for do seu carecê, dexo na paga do quando pudé.


- Gradeço o amigo, mais aceito só se for na breganha com o gado.


Assim foi feito, Tó escolheu de um tudo no necessário, o que não era muita coisa. Mas encomenda fez muitas.


Rancho feito, a panelada de galinha com pequi de Gumercinda; para Tó, o mato virgem de começar; para Baldino, o caminho da labuta diária.


No ano, Baldino passou duas vezes por lá, e a cada uma delas foi vendo em que Tó ia transformando o Cobertão. Roça para todo lado, gado bonito, muita criação, já tendo até agregado de à-meia. Cada vez mais encomenda, enxada, foice, querosene, butina vera cruz, sal luzente e pólvora. Às vezes, um agrado de peça de chita para Gumercinda.


Com dois anos, até rancho de pouso para Baldino estava feito. A terra toda formada, luxo de rego d’água na porta do terreiro, carroção novo feito por Joaquim Pirracento. Mas do irmão nunca mais falou.


No descarrego das mulas, encomenda do Manco, foi que Baldino soube a primeira vez de Teodoro. Devia no fiado da venda, mais de conto de réis; a sede nas terras que o pai deixou estavam virando uma tapera velha. Os agregados foram indo embora um por um, às vezes até sem paga nenhuma.


Num ano passado, ouviu falar que Teodoro tinha vendido tudo. Era visto somente no cavalo magro e na venda, atrás duma garrafa de pinga.


Foi perto do Vau do Lajeado, a duas léguas da casa de Tó, no Cobertão, que Baldino viu o cavalo sozinho com a rédea enganchada no espinheiro. Teodoro, achou no vau, todo sujo, fedendo. Magro de assustar. Ali mesmo que Baldino fez fogo, caçou perdiz, pôs no ensopado e cuidou de Teodoro por dois dias. Quando ele acordou, ainda fraco.

- Seu Baldino?

Baldino o deixou ali, com comida no jeito para uns dias e uma cabaça cheia de um chá de raiz; amarrou o cavalo perto e foi para o Cobertão, pedir a ajuda de Tó.


Chegando, avistou Gumercinda na bica labutando com capado, no lado dum tacho de sabão. Não falou nada, esperou Tó chegar.

- Ocê sabe do seu irmão, Tó?


- Desse assunto num trato nem cum o amigo Baldino. Tenho irmão, não.

Quando Baldino ia falar, a voz de Gumercinda gritando:


- Meu Deus, Tó. Corre aqui, depressa.


Era o irmão caindo de cima da sela, em pele e osso.


Meio ano passado, Baldino fez pouso no Cobertão; foi festa na casa de Tó e Teodoro, herança que o pai deles deixou.


 
Leia a obra completa aqui: http://sertaodosaomarcos.blogspot.com/
 
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