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Zé Bugio
O grupo se reuniu naquela noite. Combinaram resistir à sobranceria da coroa. Dali saíram emissários para todo lugar na urgência dos fatos.
De couto, no camboqueiro, às margens do Bujaru, Zé Bugio, sungando as calças toda hora, esperava notícias com os homens reunidos. O lugar, vigiado em todas horas, fervilhava de fugidos, tapuios, cafuzos e os curibocas enviados do Acará. Estavam prontos, era a força formada em poucas armas tomadas em escaramuças, nos caminhos e na revolta fermentada pela exploração portuguesa.
O mensageiro foi chamado de madrugada para levar a mensagem, passou mal e finou no caminho. Pediu ao remeiro entregar a carta mas não deu tempo de contar do conteúdo. Começou a falar de um grande ataque para assumir a província, mas não conseguiu completar, ficou sem falar do dia, e dos procedimentos.
Zé Bugio, ao receber a mensagem, pediu ao portador que a lesse, mas o rapazote não sabia. Ninguém ali sabia ler para desespero do destemido Zé Bugio.
Juntou um grupo de seguidores, que municiou com as melhores armas para buscar no engenho, léguas acima, quem soubesse, qualquer pessoa, fosse escravo ou não, por vontade ou à força se preciso.
Ele mesmo ficou andando de um lado para outro, o dia inteiro e, à noite, passou horas em volta da fogueira olhando as letras daquela caligrafia bem traçada; vez em quando esbravejava por ninguém saber ler. Dali não arredou até amanhecer.
Gastou a madrugada chamando, ora um, ora outro, como se inventariasse as condições de cada e suas armas. Uma inutilidade aquilo, pensava nos homens, consumia-se naquela providência sem saber o que fazer do tempo, na impaciência de esperar.
O dia clareava, já nascendo mormacento, quando ouviu, enfim, o barulho dos homens, chegando com o feitor do engenho, amarrado pelas duas mãos num pau atravessado no pescoço, como se canga fosse. Vinha coxeando, com um riso esquecido no canto da boca, de cabeça erguida, numa altivez que dava raiva; limpava no ombro, toda hora, o filete de sangue que escorria no canto da boca.
Trocaram ásperas palavras no meio da roda formada, Zé Bugio estendeu o papel que o feitor leu quase à força, tal qual estava escrito; a convocação era para que tomassem pelo Acará, o rumo de Murutucu em grupos de poucos homens, levando toda arma e toda pólvora que conseguissem, terçados, cacetes e o que mais tivessem, deveriam chegar em dois dias, iam tomar a cidade de surpresa.
Ali mesmo, depois de ler a mensagem, o feitor foi morto a pancadas. Um sofrimento que lhe impingiram num ritmado igual se tivesse no tronco, vingando castigos e maus tratos.
Traçaram o rumo, espaçando a saída de cada grupo, na recomendação de margear os caminhos e evitar serem vistos ou qualquer confronto. O prazo de se juntarem de novo era o ponto da Biqueira onde as canoas esperavam para atravessarem o Acará.
Zé Bugio seguia com o negro Fitada e João Camboa quando este exclamou:
– Leu errado! O desgraçado leu errado, sabia que ia morrer.
Disse como se tivesse certeza e contagiou os companheiros. Zé Bugio esbravejou em demônios, travou a marcha, enquanto pensava e tomava a decisão de seguir, mesmo que o rumo fosse o contrário. Pensou alto que a cidade não ia sair do lugar, por qualquer lado que chegassem ia ser igual, estavam prontos para qualquer luta.
Mal pensamento restou, e se os remeiros estivessem esperando na baía e o combate que lhes destinaram fosse na armada? Avaliava nervoso, caminhando, mesmo na indecisão, quando ouviu o barulho de resfolego de animal e a voz, parecendo de mulher.
Aviou João Camboa, ladeando pela esquerda; qual foi a surpresa; era a viúva Teodora e a mucama no caminho com mais dois negros velhos, pessoa tida como corajosa, dona daquelas terras por herança de finado marido, era respeitada por todos e temida por muitos.
Assustadas, mas sem esboçar o menor sinal de impor galope nos animais, ficaram caladas até Zé Bugio estender o papel e pedir que a sinhá lesse. Ela o fez se empalidecendo muito, confirmando na sua leitura as suspeitas de que o feitor tinha mentido, deviam era margear pelo outro lado, até avistar as canoas.
Um sinal de cabeça e um tapa nas ancas do cavalo foi o agradecimento. A raiva dominou a hora no esbravejar do cabano, os três se puseram de novo no mato, não sabiam o que fazer para juntar os grupos espalhados e ficaram mais afobados ainda com o comentário de Fitada.
– Cunheço ela! Tá mintindo... mais quê tá...
Zé Bugio pediu marcha, a cidade estava lá, atacava por onde fosse.
MQ
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terça-feira, 18 de maio de 2010
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