quarta-feira, 14 de abril de 2010

FERNANDO SABINO

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O fato de sermos amigos não impedia que fôssemos implacáveis no julgamento da produção literária de cada um. Quando dei uma novela de quarenta páginas para que o Hélio lesse, ele o fez diante de mim com a maior atenção, durante horas; a única reação que teve, ao terminar, atirando a novela em cima da mesa, foi dizer:

– Quá…

Um julgamento desses era de jogar os originais no lixo, o que todos nós fizemos mais de uma vez. Ninguém se ofendia: dava o troco na primeira oportunidade. E cada um tinha a sua vez.
Numa delas, o Otto, por exemplo, ao entrar em minha casa para jantar comigo, possuído de incontida inspiração, foi direto para a máquina de escrever, disparou a redigir um texto. Intrigado, resolvi ver por cima do seu ombro de que se tratava – ele parou um pouco, aguardando minha opinião. Que não se fez esperar.


– Desse mato não sai coelho, não…

Depois de hesitar um segundo, arrancou o papel da máquina, amassou e jogou na cesta, se erguendo:

– Como é, vamos jantar?

Aprendemos a conviver assim de maneira desabrida e espontânea. E acredito que esse rigor crítico nos foi extremamente valioso: impediu que a gente escrevesse muita bobagem.
Ou não impediu…

Com o tempo, abrandamos um pouco a intransigência, que total, com um pouco de tolerância, que era nenhuma. Não admitíamos orelha elogiosa em livro, foto na capa ou na vitrine, qualquer espécie de estrelismo ou apelação. Um livro tinha de ser, no mínimo, obra literária definitiva.
Um trabalho como este, breve e despretensioso (com S) passeio pelo meu mundo de lembranças, seria considerado por nós um mau passo, capaz de me atirar para sempre na vala comum da subliteratura.


Encontramos Carlos Drummond de Andrade numa livraria – e Carlos era ídolo, sabíamos seus poemas de cor – quando ele vinha de lançar o livro Viola de Bolso: poesia de circunstância, poeminhas de álbum de moça, coisa sempre de interesse para complementar a obra principal. Quando nos perguntou o que havíamos achado, um de nós respondeu:

– Uma leviandade do poeta.

Augusto Frederico Schmidt foi outro que se deu mal com a nossa presunção. Um dia nos leu um novo poema e como, depois de lido, ninguém dissesse nada, perguntou:

– Vocês acham que estou decadente?

– Achamos – Paulo respondeu por nós.

E Schmidt, conformado:

– Obrigado pela franqueza.

Não sei se presunção era bem a palavra: éramos rebeldes, inconformados, contra a ordem constituída e tudo que representasse instituição, fosse a direção do Colégio, o Governo, a Cúria Metropolitana.

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