segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

RUY GODINHO - ENTÃO, FOI ASSIM?

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ESCRAVO DA ALEGRIA
(Toquinho/Mutinho)

Eu que andava nessa escuridão
De repente foi me acontecer
Me roubou o sonho e a solidão
Me mostrou o que eu temia ver
Sem pedir licença nem perdão
Veio louca pra me enlouquecer
Vou dormir querendo despertar
Pra depois de novo conviver
Com essa luz que veio me habitar
Com esse fogo que me faz arder
Me dá medo, vem me encorajar
Fatalmente me fará sofrer
Ando escravo da alegria
Hoje em dia, minha gente
Isso não é normal
Se o amor é fantasia
Eu me encontro ultimamente
Em pleno carnaval
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Então, foi assim...

Quando a produtividade da parceria Vinicius & Toquinho naturalmente
entrou em recessão, havia uma turma de críticos que duvidava que
Toquinho1 conseguisse manter o nível de criatividade. E olha que ele já
havia feito Samba Para Vinicius, com Chico Buarque - escondido do homenageado
por causa do terrível ciúme que Vinicius2 sentia dos parceiros.
Compôs Que Maravilha, com Jorge Benjor e principalmente a produção de
altíssima qualidade – mantida paralelamente ao casamento musical com
Vinicius – com o baterista e compositor Mutinho3, que inclui a emocionante
O Caderno, Turbilhão, Ao que vai chegar e Escravo da Alegria.

Esta última tem uma história especial. É do tempo das intermináveis
temporadas universitárias pelo interior de Minas Gerais, viajando por estradas
onde são freqüentes aqueles enormes caminhões que exibem frases
conhecidas como “filosofia de pára-choque”. Geralmente são juras de amor,
pequenas orações, pensamentos, promessas de fidelidade e de breve retorno,
além de poesia de gosto duvidoso.

O carro em que Toquinho viajava se aproximou da traseira de um caminhão
e permaneceu alguns minutos, antes de fazer a ultrapassagem. Foi
então que ele leu a seguinte frase: “Se o amor é fantasia, eu me encontro em
pleno carnaval”.

Toquinho a achou linda. Tudo a ver com seu estado de espírito. Ele
que tinha a fama de irrecuperável garanhão, solteiro convicto e namorador
compulsivo, tinha acabado de ser interceptado em pleno vôo. Seu coração
fora tocado de forma avassaladora pela mineira Mônica e estava apaixonadíssimo,
em estado de graça, achando tudo lindo.

Chamou o parceiro Mutinho e fizeram o samba. Toquinho afirma a
João Carlos Pecci4 que: “Depois dessa frase linda [a música] já estava praticamente
feita. Era só procurar as palavras, a melodia, e colocar na ordem”.

Mais uma prova de que o amor é transformador. Uma simples filosofia de
pára-choque virou um belo samba. “Uma verdadeira declaração de amor à Mônica,
minha mulher”, confessa Toquinho.

Após o desencarne do Poetinha, Toquinho, sem grandes alardes, continuou
sua bonita trajetória. Fez diversas músicas com compositores da Itália – país
onde brilha sem que o Brasil tome conhecimento – entre elas, a eterna Aquarela,
que merecerá destaque em outro volume.


1 Antonio Pecci Filho 06/7/1946 São Paulo-SP.
2 19/10/1913 Rio de Janeiro-RJ 09/7/1980 Rio de Janeiro-RJ.
3 Lupicinio Rodrigues Sobrinho.
4 Toquinho: 30 anos de música.



Ruy Godinho
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