quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Ninguém me Conhece: 31) Zé Edu Camargo É Daqui

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Uma das muitas contribuições do Clube Caiubi ao cenário musical brasileiro é a valorização do compositor. Sempre esquecido pela programação radiofônica (e principalmente pela televisiva), quase sempre omitido pelas(os) cantoras(es) nos shows, o compositor, no Caiubi, tem sua vez. Incensado pelos intérpretes, reconhecido pelo público, lá se sente em casa. E quando digo compositor estou me referindo também ao letrista, que na nomenclatura brasileira é chamado de autor. E aqui entramos num ponto delicado. Pra mim, o cara que faz letra não é menos que compositor, pois, pra escolher as palavras sonoramente (e significativamente) mais adequadas à linha melódica de uma canção, tem que usar de sensibilidade musical, quesito que não é obrigatório a quem lida apenas com poesia. A respeito dessa questão, soube há alguns anos que é o letrista quem cede parte de seus direitos àquele que porventura faz uma versão de uma canção cuja letra seja sua. Ex.: digamos que um japonês resolva fazer uma versão de Garota de Ipanema em sua língua e que essa versão seja gravada. A parte que cabe a Tom Jobim, autor da melodia, permanece sendo dele, já a parte de Vinicius, letrista da canção, será subtraída pra que dela sejam tirados os direitos do versionista. Mais um motivo pra que o letrista registre/edite suas canções na condição de compositor. Fica aí a dica.
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Mas passemos ao que interessa. Citei a importância do Caiubi no parágrafo acima, pois foi lá que cresceu e apareceu o talento do letrista Zé Edu Camargo (não, não se assustem, ele não tem parentesco com seu quase xará). O rapaz, levado pelas mãos do parceiro Sonekka, chegou por aquelas bandas como quem não queria nada, sentou, pediu uma cerveja e ficou lá, curtindo os artistas da casa. De repente, levou a mão esquerda à testa, pegou um guardanapo e começou a rabiscar nele uns versos, meio como se um Chico Xavier tivesse baixado nele. Logo veio um, roubou-lhe o guardanapo e o devolveu na semana seguinte, acrescido de uma canção. A história se repetiu uma, duas, várias vezes, até culminar na glória de ter um guardanapo subtraído por ninguém menos que Zé Rodrix. A partir daí bem que seu nome artístico poderia ter mudado pra Zé dos Guardanapos, pois o hábito deixou-o tão famoso por lá que não teve um que não requisitasse a sua parcela guardanapal. Eu, que já dava minhas guardanapadas em outras mesas, até diminuí o ritmo, pra não ser tachado de plagiador.
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Sou um compositor competitivo (no bom sentido, que é o do “importante é competir”) e, como tal, me roo de inveja quando vejo que alguém compôs algo que eu adoraria ter escrito. Sempre vem aquela pergunta: Por que eu não pensei nisso antes? E o Zé Edu, confesso, por meio de suas muitas e inspiradas letras, foi responsável, sem saber, por eu ter feito outro tanto delas. É o que, em arte, chamamos de inveja criativa. Mas, pra mostrar como a competitividade não chega às raias do antagonismo, mais de uma vez tivemos o prazer de compartilhar letras. A primeira vez se deu de forma rara. Estava o compositor Madan, na época, à frente de um projeto de canções pacifistas, por conta da guerra do Iraque, se não me engano. Era então Zé Edu ainda solteiro, assim que, em seu apartamento, devidamente manguaçados, três melodistas (Sonekka, Élio Camalle e Marcos Oliva) e três letristas (Zé Edu, Ricardo Moreira e eu) compusemos a doze mãos a bonita (e inédita) Salva-Vidas. Com intenções menos pacifistas e mais prazerosas, repetimos a(s) dose(s) outras vezes, sempre tendo um mutirão de compositores a postos.
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Caetano, certa vez, após ter assistido a um show da Nação Zumbi, comentou numa entrevista, referindo-se a este (o show), que o que mais lhe tinha agradado fora perceber que ele, Caetano, não exercera nenhuma influência sobre a música que faziam os rapazes do mangue beat. Da mesma forma, (quase) sempre me encanto com as letras de Zé Edu, tão diferentes das minhas, sejam em tema, sejam em estrutura, enfim, é como se tivéssemos vindo de escolas completamente diferentes, o que, ao que me consta, não é verdade. Temos mais ou menos a mesma idade e as mesmas referências, com uma ou outra diferença. A isto podemos chamar originalidade. O poder (conquistado pela experiência) de filtrar as referências e transformar em algo com assinatura própria. Ouso dizer que eu e Zé Edu honramos a tradição dos letristas, raça praticamente em extinção no atual cenário da música brasileira.
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Acho que é tempo de aproveitar o espaço pra explicar algo (se é que ainda não ficou claro). Recentemente dois acontecimentos ligados ao Ninguém me Conhece me chamaram a atenção: 1) Um amigo leitor do blog confidenciou, meio em tom de repreensão, que havia notado que nos textos dou espaço demais a mim e a Kana. 2) Algumas pessoas entraram em contato comigo pra saber o que precisavam fazer pra serem selecionados pros textos, o que muito me envaideceu, alguns amigos chegaram a me cobrar. As respostas aos dois itens estão interligadas. Escrevo, com raras exceções, a respeito de pessoas que, de uma forma ou de outra, pertencem a meu convívio, assim que, naturalmente, escrevo sob minha ótica de, digamos, testemunha ocular. Não poderia tratar de Zé Edu, por exemplo, que é parceiro, amigo, durante um tempo me passou trampos na Editora Abril, e é também companheiro de noitadas caiubistas, de forma impessoal. No mais, um blog é uma espécie de jornal no qual o patrão e o cronista são a mesma pessoa (a parte ruim é a falta de salário). Daí que as escolhas serão sempre tendenciosas, ou, na melhor das hipóteses, parciais. Afinal, se tenho um espaço livre pra escrever o que me der na veneta, por que não o aproveitar pra divulgar os meus? Por último, peço paciência aos ansiosos. Tenho muitos bons parceiros e pouco tempo, então as escolhas se dão meio que aleatoriamente.
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Voltando ao Zé Edu e à supracitada tradição dos letristas, é bom acrescentar, pra quem não o conhece, que o moço conseguiu algumas façanhas em sua carreira... E, como o espaço é dedicado a música, nem vou tratar de suas conquistas jornalísticas (sim, ele também é jornalista, digo mais, o José Eduardo Camargo, com sua carreira jornalística vencedora, com livros lançados – foi até entrevistado pelo Jô! –, suas muitas viagens a serviço do Guia Quatro Rodas etc., é quem paga as contas do Zé Edu), basta dizer apenas que entre os muitos parceiros do moço constam os nomes de Zé Rodrix, Guilherme Rondon, Alexandre Lemos, Vicente Barreto, Clarisse Grova, e até mesmo Celso Viáfora, que, na maioria das vezes, faz parcerias na condição de letrista. Ou seja, na bagagem do menino só há artigo de luxo. Sem esquecer o primeiro lugar conquistado no Festival de Ribeirão Preto, com o delicioso samba Arsênico (em parceria com Élio Camalle).
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Eu sabia que ele tinha um sonho de registrar em CD algumas de suas muitas parcerias, o que eu não sabia (já que nos vimos raramente no ano que se encerrou) era que o projeto já ia avançado. Apenas recentemente soube que neste ano que começa as melhores lojas do ramo terão em suas prateleiras, interpretado pela bela cantora Vanda Breder, o CD Uns Muitos, cujo repertório é inteiramente dedicado ao letrista. Antes de ouvi-lo já me brotou o pecado capital da inveja, que só não é maior que a vontade de adquirir meu exemplar. Quem sabe, ouvindo-o, a inveja criativa entre em ação novamente e nasçam outras tantas letras do lado de cá.
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Ouça algumas das guardanapadas de Zé Edu aqui: tp://clubecaiubi.ning.com/profile/oxdopoema
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