quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Ninguém me Conhece: 30) Pequeno Estudo sobre Marcio Policastro


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Por ser eu um letrista, tenho, naturalmente, uma queda por canções que contêm belos textos. Quando compro um CD, gosto de ler suas letras antes de ouvir-lhe as canções, só pra sentir, antes do musical, o impacto poético do trabalho. Claro que há melodias tão fascinantes que qualquer letra fica boa dentro delas. Quando recebo melodias assim pra letrar, sei, de antemão, que o trabalho vai ser muito facilitado (e prazeroso). Mas, hoje em dia, belas letras são um luxo cada vez mais raro e pra cada vez menos ouvintes. Os próprios letristas, no intuito de atingir o público, têm procurado construir letras mais acessíveis. O que é, de certa forma, fazer concessões. E a arte verdadeira não deve fazer concessões. Há uma canção do belíssimo cantautor argentino Charly García na qual ele diz "No voy a parar/ Yo no tengo dudas/ No voy a bajar/ Déjalo que suba". É mais ou menos isso o que penso. A arte, pra ser grande, tem que nascer da alma, não de pesquisa de mercado. E quem a consome que procure apurar sua sensibilidade. Quando pensamos, por exemplo, em grandes nomes da literatura como Dostoiévski, Proust, Joyce, Saramago, nosso Guimarães etc., não encontramos neles facilidades, nós é que temos que, com a fluência da leitura, adaptar o mecanismo de nosso cérebro pra alcançá-los.

Esse imenso prólogo foi pra situar a arte de Marcio Policastro, a quem considero, na atualidade, não um dos melhores compositores do
Clube Caiubi, mas um dos melhores compositores do Brasil. Policastro é um artista completo: letrista originalíssimo, dono de uma poesia urbana mordaz, ácida e ao mesmo tempo não desprovida de humor; melodista dos mais inspirados, capaz de ir do rock ao xote sem perder o estilo; cantor afinado; violonista de pegada "nervosa" e harmonias inteligentes, que sabe extrair de seu instrumento percussividade e certa sujeira roqueira; e, por último, é um belo exemplar de arranjador intuitivo, daqueles que sem academicismo sabem com que roupa querem vestir suas canções. Ah, ia me esquecendo de acrescentar que Policastro também é talentosíssimo pra musicar letras alheias, arte que desempenha com tamanha facilidade como se se tratassem de letras suas.

E por que você não conhece Marcio Policastro? Os adjetivos acima citados geralmente são dirigidos por críticos a artistas com algum destaque no panorama musical. Eu lhe respondo: Você não o conhece porque Policastro trabalha sem pressa. Seu primeiro CD vem sendo lapidado ao longo dos últimos anos com a paciência (e a boa mão) dos artesãos. Ele sabe o que faz e onde quer chegar. E sabe, sobretudo, que suas palavras não perderão o viço se demorarem mais um ou dois anos. A música de Policastro é como um bom vinho, melhora com o tempo. É moderna, mas sem cair na armadilha de ser demasiado moderna, pois o fim destas é perderem o prazo de validade em pouco tempo.

Conheci Marcio Policastro numa das primeiras noites em que fui ao
Clube Caiubi. Lembro-me até da primeira canção dele que ouvi, Cine Caiubi (parceria com Almir Teixeira). E já gostei de cara, principalmente pela ousadia de ele cantar versos que, de tão abusivamente femininos, davam a impressão de ser homossexuais: "Vê se te manca, sujeito/ e quebra logo esse clima/ eu sei, bem sei, é perfeito/ ficar me olhando de cima/ mas só que a noite é tão curta/ e a vida é muito mais curta ainda/ [...] Eu conheci ontem à noite um cara tão legal/ me disse que tá de passagem comprada pra Montreal/ achei demais, pois conhecer Quebec é o que eu mais desejo/ me convidou para fumar um beque e a gente deu uns beijo'".

E aí Policastro abriu sua caixa de Pandora e vi que a gama de assuntos do moço era um poço (alucinógeno) sem fundo. E o modo como ele escolhia as palavras pela sonoridade, sem subtrair-lhes o sentido, era de tirar o fôlego. Adentrei de ouvidos limpos nesse universo sacroprofano e me deliciei com a descoberta de uma música tão necessária nos dias de hoje, de ontem e de sempre. Mas à distância. Cheguei mesmo a ficar com certa vergonha de mostrar minhas letrinhas comportadas a um compositor tão anárquico. Mas acabei sendo levado até ele pela mão (literalmente) de sua namorada (hoje, esposa) Vanessa, que, com uma desenvoltura de velha conhecida, apresentou-se a mim dizendo que seu namorado queria me conhecer. Fiquei lisonjeado, ainda mais pela inusitada maneira como aconteceu. Cumprimentamo-nos e, superada a timidez (de ambos) inicial, em pouco tempo já nos tratávamos como irmãos. Ah, tem um detalhe: No começo, no
Caiubi, algumas pessoas nos confundiam. Nunca entendi bem o porquê disso, se eu sou bem mais bonito que ele. Mas essa é uma questão de importância reduzida, pois, em se tratando de talento, a beleza é só uma qualidade menor.

E, sim, ele me pediu uma letra! E esse pedido foi uma das melhores coisas que já aconteceram em minha... poderia dizer carreira? Enfim, foi algo deliciosamente desafiador pra alguém que se considera letrista. Ainda mais pra alguém que sempre se alimentou de suas influências. E foi assim que eu passei a compor letras, digamos, policastrianas. E, pra meu espanto, a química se deu, e, em pouquíssimo tempo, tínhamos dezenas de canções. Detalhe: quando desenvolvemos um estilo, por mais que "imitemos" terceiros, no final, sempre acabamos deixando nossa marca. Dessa forma, espelhando-me na poesia de Policastro, alarguei meus horizontes poéticos e tratei de assuntos novos, sob minha ótica, que ganharam melodias fulminantes dele. Nasceu dessa parceria um resultado deliciosamente híbrido. E foram tantas canções, que um dia ele me reclamou, desabafando: "Irmão, depois que te conheci minha obra poética diminuiu consideravelmente". É que, Policastro, embora não pareça, tem um lado caymmiano gritante, e eu, com minha safra sempre renovada, enchi-lhe os porões musicais de letras.

E a usina de canções continuou a todo vapor quando expandimos nosso leque de parcerias, com o advento do 4+1 (leia texto sobre
Álvaro Cueva), grupo formado por nós dois mais Álvaro e Alê Cueva e Kana. O 4+1 teve vida curta, mas espalhou alegria por São Paulo numa série de shows memoráveis, que sempre contavam com um convidado; gente boa como Tavito, Zé Rodrix, Élio Camalle, Lis Rodrigues e Ricardo Soares foram só alguns dos muitos que participaram. Como disse no texto do Álvaro, pelo fato de o 4+1 não ser uma banda e sim um grupo de solistas, não conseguiu durar o suficiente pra ao menos gravar o tão esperado (pelo menos por mim) CD.
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E seria realmente de se espantar se não se desse o fim que se deu, quando cada um dos membros tinha pelo menos um projeto paralelo. Policastro já andava por essa época arquitetando seu CD. E não parava de compor, o que dificultava e muito a escolha do repertório. E foi justamente ele o protagonista de um dos melhores shows a que assisti da turma caiubista. Marcio Policastro e banda fizeram um show espetacular no finado Villaggio Café, quando este ainda se localizava no bairro do Bixiga. Esse show, o primeiro solo de Policastro pós-Caiubi, deu-lhe o ânimo que faltava pra tirar o projeto da gaveta e trazê-lo à vida. De lá pra cá já vimos alguns dezembros, mas Policastro segue firme, com sua paciência de Jó e sua meticulosidade, experimentando, compondo, gravando. Tenho fé em que o ano de 2011 nos dará este tão especial presente. Anote aí em sua agenda o nome do moço, pra não esquecer. E peça pra Papai Noel, pro amigo secreto, pro namorado, ou vá lá na loja e compre você mesmo, enfim, dê-se de presente o universo musical de Marcio Policastro no Natal de 2011.

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Ouça alguns dos estudos de Policastro
aqui: http://clubecaiubi.ning.com/profile/OXdoPoema

Leia as letras aqui: http://clubecaiubi.ning.com/profiles/blogs/marcio-policastro

Policastro também está no Caiubi: http://clubecaiubi.ning.com/profile/MarcioPolicastro

Por Léo Nogueira


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