domingo, 27 de junho de 2010

PEDRO VIRIANO E JOÃO MUTABA - COLHO CURA (SERTÃO DO REINO)

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pedro viriano e joão mutaba
sérgio souto / joãozinho gomes / marcos quinan

tudo por fazer
na terra nova encontrada aqui

tudo por entender
do braço índio nascido aqui

vida viva de vencidos e vencedores
vivendo livre
sobejando aqui

encontro das culpas seculares
aprendidas de joelhos
e mãos postas em armas
com a vida viva nascida aqui

declamação:

contrição e a rubra mordaça
desnudada nas batinas

entalhes lúbricos resultados sem lavor

traço negro trazido à força
para empenho e labor
vida viva mutilada da altivez
restada nos porões pútridos do estanco

manumissão de libertos juntos
calados e misturados
às conquistas que o deszelo
cobriu com hipocrisia
sobrepondo lenitivo à vida

do braço índio cativado aqui
do braço negro exilado aqui
do braço branco renascendo aqui

verdade mestiça de dores
esparramadas em subserviência
findando no descaso com a terra
que se fingiu descobrir

o gentio se misturando mesmo curvado

quimeras prenunciando salvação
imitando de mão em mão um deus um rei
mas sonhos podem ter as mãos
quando ganham os espertos com seus grilhões
mas sonhos podem ter as mãos
quando tocam a verdade nos sonhos
de outras mãos e somam a escolha da liberdade
de mão em mão

óbolos de fel que põem solenemente acima
falsos e vazios circunspectos sujigando
em leis que moem e subtraem apenas
estugando o ódio nas entranhas
da morte em cal sangue e fezes
embriagados na loucura dos boticários
punindo em vão segregando o respeito

dor, adornada de dor adonando todos
desencadeando vala comum e rasa do penacova

valimento dos restos de menos valia
rompâncias e sujeição assomados nas ruas
iniquidade torturando calma e silêncios
no ecôo da concertina no sibilo das balas

polução na calma da noite na soberba das alforrias
cordura com os atos exéquias pequenas e tristes
nos arrabaldes do sonho mourejados só com a vida

cabedal que se doa com zelo sem datação

ressôo de bombardino sibilo das ordens
entrando pelas gelosias das janelas abandonadas
pelos senhores intolerantes

sobrecarga da ira no gentio apartado
vagando erradio pelos mocambos
deixando rastos imperceptíveis
nos bivaques e caminhos

no negro amolegado pela chibata
homiziado nas quilombolas
no branco tocado pela liberdade sem laços
rompendo desígnio

detração pelos adros e palácios como vômito
no linóleo impregnado
o esgar dos brasões enrijecendo a verdade
pelas ruas e caminhos espalhando vontade

o gesto lesto esmiuçando os arredores
até o suburgo na beira do rio
onde folga homens embaixo dum pau copado
deslindando seu relato parte por parte
para entender melhor o dédalo das leis promulgadas

postergando e emudecendo o ventre tenro
onde a liberdade queria nascer



só a memória espalhava
calor de luta no peito
pólvora no rosto marcava
a palavra armada de feito
e a lembrança deixava
sem mistério o seu jeito

anil-trepador entalhava
como se mãos fossem letras

misturaram os caminhos
confluindo o sonho o destino
montaram naquelas águas
defluentes do mesmo alinho

o grito que punham nos fatos
devagar se escrevia em silêncio
orgulho na voz dos mortos
plantando a cura no tempo

ê abaribó... ê abaribó...
sê abaribó... sê abaribó...
ê, ê, ê abaribó...

ê abaribó... ê abaribó...
sê abaribó... sê abaribó...
ê, ê, ê abaribó...

voz e violão: sérgio souto
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