terça-feira, 10 de novembro de 2009

MÁRCIA CORRÊA

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Quem me lê, falando em flores e jardins, pode até imaginar que sou jardineira das boas, daquelas que têm a disciplina de acordar cedo para cuidar e a beleza paciente de conversar com rosas, cravos e bichos minúsculos que passeiam entre folhas e a terra preta. Não é exatamente assim, mas bem que eu gostaria que fosse e trabalho meu espírito para atingir essa altura. No mais, gosto, aprecio e vez por outra me dano em cuidados com a vida que floresce inocente no pátio da minha casa.


Fico vesguinha quando passo em frente a uma floricultura ou visito o horto e mesmo diante de um jardim verdadeiramente cuidado. Quero logo pedir um pé disso, um pé daquilo, mudinha de rosa menina e essas coisas. Ah! Por falar nisso, quem tiver rosa amarela que se apresente e me dê de presente. Então, foi com os “zoim vesguim” que me perdi de amores por um pé de lírios cor de sangue. E na mesma proporção da paixão veio a decepção. Parece enredo de filme mil vezes reprisado.

Não com os lírios, imagine! Decepção comigo mesma. Cheguei toda boba com a moça da floricultura, um quiosque escondidinho num canto do supermercado. Que coisa mais linda! São lírios, disse ela. Como eles florescem, de que cuidados precisam? Não muitos, preferem a sombra e florescem uma vez por ano. Hum... Uma vez por ano é? Poxa, quero flores que nasçam o ano inteiro. Ela riu complascente... Ah! Temos aqui margaridinhas, crisântemos, rosas. Então vou levar as margaridinhas lilases e essa rosa menina meio amarelinha.

Saí de lá com uma sensação estranha, mas sem prestar muita atenção a ela. Em casa, no final da tarde, calcei luvas descartáveis surrupiadas do material de faculdade da Juliana, peguei uma colherona de cozinha – que não achei a pazinha de jardinagem, e fui cavar a terra dos vasos para transplantar as mudas novas. Nesses momentos de dedicação à terra, às plantas é inevitável a reflexão. Os pensamentos são sugados para uma zona de profundidade inatingível em horas comuns.

Aos poucos e com uma vergonha que subia à face em forma de suave formigamento, compreendi a inquietação que me acompanhara na saída da floricultura. Eu havia abandonado os lindos lírios cor de sangue simplesmente por não ser dotada de paciência para esperá-los florescer. Como se abandona um amor que ainda nem nasceu? Que espírito primitivo e insensível o meu. Alma boba que quer ver com os olhos da matéria o que pode ser cultivado com os olhos da alma a respirar pelo coração.

Murchei bem ali diante das alegres margaridinhas lilases e dos pequenos botões de rosas pálidas. Vou buscar os lírios pra mim.


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