quinta-feira, 18 de junho de 2015

Pedro, Paulo e Thiago - MQ


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Desciam o Menorista Thiago e os jovens remeiros jacundás, Pedro e Paulo. Logo que fizeram distância, o tempo foi se fechando com nuvens escuras, ensombrando o final da manhã; faziam a descida aproveitando a corrente e foram surpreendidos pelo despejar da chuva grossa temporã, com estalos e raios riscando o céu; as águas se agitando e o vento forte soprando em lufadas.

Temeram emborco até encostar na margem, balançando junto com o casco, sem governo, parecendo querer subir nas árvores ao comando do sopro forte e intermitente, indo de um lado a outro aos solavancos.

A sanha e força do rio puxaram a canoa, querendo devolvê-la ao meio da correnteza, os braços contrapunham resistência, levando-a pelo mato adensado, com a água batendo nas canelas, perdendo pelo caminho toda a palamenta e um dos remos.

O escurrume do céu dava um tom fechado no verde da mata, as tracuás soavam fora dos formigueiros, em todo galho em volta. Do lugar não tinham como sair, o alagado ia enchendo cada vez mais, o barulho da chuva, do vento, dos galhos caindo; a água subindo, as vistas alcançando pouca distância; estavam desnorteados e cansados de tentar segurar a canoa, padre Thiago rezava em voz alta acompanhado por Pedro e Paulo que mal balbuciavam a oração, ocupados que estavam em achar um jeito de domar os abalamentos.

A noite veio serenando aquela fúria, os barulhos foram diminuindo, a água baixando lentamente em meio ao breúme. Dali não saíram, até amanhecer o dia. Sentados no casco, dormiram com a canoa encamboada pelos braços no açaízeiro.

Na primeira luz da manhã, a água e o sujo da mata já tinham sido engolidos pelo rio que lavou a margem, formando um caudal lamacento e sem remansos. Os jacundás olhavam o religioso esperando a decisão; ela veio na forma de um - Deus nos proteja!  Retornaram à descida, aproveitando a velocidade das águas com um dos remos improvisado e, na valentia, enfrentaram a cheia, continuando a viagem.

Pouco tempo durou o esforço que faziam e a proteção invocada, bastou o tronco, impelindo a proa com violência, provocando o empino. No embate, perderam o domínio, as águas entraram pelas bordaduras, ao mesmo tempo que a embarcação virava sem obedecer aos remos, se pondo de lado, como se ao invés de descer, a jusante estivesse atravessando o caudal.

O viajante afundava e repontava em meio a ferocidade do rio, os remeiros agarrados ao tronco tentavam emparelhar e puxar o padre, este, quase inconsciente, debatia-se contra a volúpia das águas açodadas. Um corcovo o colocou enfeixado ao braço forte de Pedro.

Pelo dia quase todo, travaram a luta de permanecer rolando sem controle ou direção, até o amainar do rio com a preamar. Perceberam estar perto de alguma vila ou arruado, nadaram até a praia onde se jogaram na areia, exaustos, sem forças para procurar uma sombra; dormiram ali mesmo até o começo da noite.

Já era madrugada, quando foram surpreendidos pelos negros, índios e mestiços, armados e silenciosos que os puseram juntos, em marcha, para a invasão da Vila de Cametá.      

 

 

 
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