terça-feira, 30 de junho de 2015

Lunaiá e João Tungo - MQ


 

 

Eram quase trinta, entre alugados e forros, amontoados na porta. Serviço, o de sempre; coveiro, carregador de excrementos, de estivas e do mercado, vez em quando carrasco ou surrador.   

O oficial apontador escolhia entre eles quem melhor o  favorecesse. Destacava o trabalho com o mesmo critério. Reclamar a quem? Ficar perseguido? Tudo era aceito.

Lunaiá,  João Tungo e os filhos, negros de ganho da viúva do oficial Antônio Dalgosto, agradavam ao apontador para limpar os excrementos e carcaças de animais, modo andar pelas ruas e lugares, encontrar os iguais sem despertar atenção dos soldados. Podiam parar em qualquer ajuntamento e tentar convencê-los a largar seus donos, sabiam todos os movimentos no interior, ensinavam caminhos mas, o mais importante era transportar no bangüê as armas e munições roubadas, de um lugar pra outro, principalmente a pólvora que era ensacada em pequenos bornais e facilmente escondida em meio aos excrementos . Recebido o sinal de que tinham alguma coisa pra levar, baixavam a padiola pra descanso em lugar conveniente. Para entregar, puxavam o canto de trabalho perto do destinatário:         

 

paresque i’ele

pissuía curuba

iu’oto caxingava

tucavum caracaxá

tambur punga

i ganzá...

 

c’us ói  de jetatura

nhanga vi’u buzugo

lundu d’ele suzinho

gingando inroda

na patra dutro mundo

 

Serviam de ouvidores das conversas de soldados e mestiços se gabando de crimes e delitos - iam lá saber o que  eram farrambandas ou não? Relatavam tudo que ouviam, os nomes dos contrários, os comentários dos políticos, o que mais pudesse ajudar os cabanos nas matas de Nazaré. 

O casal passava despercebido pelas ruas, cumprindo serviço público e lutando pela liberdade. Eram a maior ligação entre os que simpatizavam com a causa, mas queriam ficar no anonimato, e os grupos que se organizavam. A pólvora mudava de mão em quantidades cada dia maiores. Mas o dia chegou, foram surpreendidos pelo oficial inglês que queria saber que canto era aquele.

 

paresque i’ele

pissuía curuba

iu’oto caxingava

tucavum caracaxá

tambur punga

i ganzá...

 

c’us ói  de jetatura

nhanga vi’u buzugo

lundu d’ele suzinho

gingando inroda

na patra dutro mundo

 

Em conhecer o significado, descobriu os pequenos sacos de pólvora no bangüê, entre o mal cheiro e as fezes dos animais.

Os escravos, na frente da dona, explicavam ter encontrado aquilo na rua e que, como fedia, fizeram seu serviço. A viúva ameaçava o oficial, acreditando nos negros; ele querendo fazer cumprir castigo,  levou-os presos.

O castigo foi dado exemplarmente em público. O casal foi açoitado pelo algoz encapuzado, em meio das risadas de quem assistia.

Quem observasse pelo furo do capuz, os olhos do algoz, veria as lágrimas correndo. Lunaiá e João Tungo estavam sendo chicoteados pelo próprio filho que ganhava como surrador naquele dia.

 

 
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