segunda-feira, 4 de março de 2013

VINÍCIUS DE MORAES

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A espantosa ode a São Francisco de Assis


Meu são Francisco de Assis, Francisco de Assim, poverello, ou como te chame a sabedoria dos povos e dos homens
Este é Vinícius de Moraes, de quem se podia dizer - o poeta - se jamais alguém o pudesse ser depois de ti.



Este é o impuro, o inconstante, o trágico, o leproso e possivelmente o morto
Que vem a ti o fiel, o calmo, o humano, o constante.



Este é o que sacrifica a vida pelo prazer da hora, e se desgraça
Que vem a ti que sacrificaste a vida pela eternidade e pela graça.



Este é o homem da mulher, o homem da carne, o homem da terra
E que te ama santo da Mulher, santo da Carne, santo da Terra.



Este é o que peca e não se arrepende, o supliciador e o criador do espasmo
E que te exalta irmão humilde e louco, confidente, e inventor do êxtase.



Este é o mágico do desespero, o inquisidor e o sedutor, o poeta triste
Que te proclama o rei, entre todos, amante sem mácula.



Meu são Francisco de Assis! acolhe teu amigo e teu criado
Que partiu para sempre e se perdeu, e nunca mais foi encontrado.



Tenho um mistério a te dizer, mas quem sabe não o ouvirias
Vendo-me criança - se é que eu fui criança um dia!



Ó dá-me teu sorriso, são Francisco, e me purifica
E liberta-me da vã palavra de sonho que me impurifica!



Eis que converti meu demônio a mim e meu anjo a mim
E me sinto demais em mim mesmo e quisera me despedaçar em ti.



Porque me sinto covarde de não poder dormir e precisar fechar a porta
Ao vento frio ou ao chamado sombrio da pureza morta.



És tu um dom da minha miséria e serias o mesmo
Se eu fosse como tu mesmo? - e te proclamaria?



E [...] porque amo a miséria em mim que me deposita em ti
Porque não fosse eu sombra não serias sol nem pensarias em mim.



E [ ... ] porque aceito minha depravação e faço a minha queixa sem piedade
E de todos tenho piedade menos de mim - e não há salvação para minha piedade



Sou digno como o animal nobre que morre em silêncio e sem lágrimas
E não tem limbo ou purgatório, céu ou inferno para a sua alma.



Mas sou impuro como a terra que recebe a consumação da carne
E astuto como o fogo e plástico como a água.



Meu são Francisco, ouve o meu voto e compreende o meu vazio
E me aquece do frio, e me protege do sonho sombrio.



Tu és a Palavra - a palavra inexistente - a poesia
Que eu busco sem tréguas, que busco de noite e que busco de dia.



Não creio em Deus mas creio em ti - Deus é minha melancolia
Tu és minha poesia - ou quando não seja o amor que ela se deseja



Tenho o lar e tenho o mar, e nada tenho
Tenho a emoção - tenho-a? - nem pranto mais blues.



Na verdade muitas coisas eu tenho, e muita razão de ser feliz
Se não existisses talvez - mas exististe, São Francisco de Assis!



És a infância não vivida, és a mocidade não merecida
És tudo de justo feito injusto pela catástrofe da vida.



Ninguém o sabe senão tu - nem mesmo eu sei! nesse momento
Meu pensamento é tédio mas amanhã pode ser contentamento.



Porque há em mim uma fonte pura de mal que me embriaga
De bem, mas que subitamente me estanca o que me falta.



É a mulher, essa que me suporta e que me acaricia
E a quem acaricio, e a quem eu rio e que se ri.



Não fosse ela, e eu estaria como Jó te mentindo,
Porque o poeta é a semente da mentira se, no desespero, só.



Dou-te meu voto além da mulher! é a criança que te fala
Quando subitamente se conheceu menino no grande silêncio de uma sala.



Quando brincando com o próprio sexo o surpreendeu sensível
E o viu inteligente e emocionado e não compreendeu.



E que criou sozinho a primeira forma nua para o prazer contemplativo E que se deu a ela desvairado do mistério de se saber vivo.



E que a transportou na memória em amor e que foi traído
Pelo toque de outra mão menos pura e mais desmerecida.



E que foi seviciado antes do sêmen pela desventura
Feito mulher, e a perdoou, e a amou, e a fez sua criatura.



E que foi iniciado nos prazeres da carne como o inocente aprendiz
A quem a mulher diz - Faz! e ele faz, tal como eu fiz.



Antes do sêmen! e não morri - e bela fiz minha criatura
Eis por que não há salvação e eu amo a minha degradação e impostura.



Porque eu sou o sedutor, se seduzido, e o erótico, se seviciado
E o amante, se querido, e o perdido, se privilegiado.



Porque fazemos um - eu e a mulher - e não há dois arrependimentos
Para um só corpo - nem duas salvações para um só sentimento.



E se alguém não vem comigo eu não quero ir, porque não sou sozinho
E se eu fosse sozinho não estava nesse momento clamando de ti



Meu são Francisco de Assis! ouve tu ao menos a minha inefável miséria
Sem perdão e sem consolação e sem fim nos caminhos da Terra.



Ouve o apelo mais íntimo, o que não está nas minhas palavras
E que está no meu ser infeliz e no ser infeliz que eu crio à minha passagem.



O santo, o herói e o poeta - três penitências do mundo
Tu, santo, herói e poeta - uma penitência em mim.



Nunca te verei no céu, nem nunca me verás no inferno
Mas hei de te escutar no estio, e tu me escutarás no inverno.



Não me verás no céu porque não há paixão para a serenidade
Nem no inferno porque não há castigo para a fatalidade.



Mas eu te escutarei aqui na Terra, entre as grandes árvores
A cabeça no seio da amiga, e a quem eu falo como ao pássaro.



Um dia deixarei a cidade da minha angústia e sua torre
E irei a Assis entre colinas me abandonar à tua saudade.



E dá-me nesse dia de chorar todas as lágrimas contidas
E de me perder em mim o pranto e de me ajoelhar no teu sepulcro.



Ó grande santo louco, meu irmão, taumaturgo em minha alma
Taumaturgo - palavra que contém silêncio e que me acalma!



Just now I have been in a [ ... ] party in the Magdalen's cloister
And there was an Armenian [ ... ] all the others.



Good inocent peopte [ ... ] some liquor in their rooms
But was a bloody phantom between them, so help me God!



Eu sou o conhecimento perfeito das coisas e dos homens
Linchai-me! eu sei todos os segredos, e eu me abandono.



Nunca criatura criada foi tão pagã como eu, so help me God!
Arrastando meu ser à execração e à contemplação quieta da morte.



Em vão te direi - ou não? - porque não vens beber meu vinho
Na minha mesa, e poderíamos falar com mais carinho.



São Francisco de Assis! meu irmão, meu único inimigo
No céu, eu te maldigo, eu te bendigo. Eu me persigno!



Tive uma jetatura: a mulher; uma aventura: a poesia
Uma desventura: a delicadeza. Sou delicado, não peço, mendigo!



Mendigo: mendigo o pão de meus pais, o amor de meus amigos
Mas só a mulher me persegue e só à mulher eu persigo.



Santo! tenho gana de te dizer: foge de mim! evita o meu contato escuro
Porque eu sou puro na maldade e puro na sinceridade e impuro.



Quatro livros escrevi - e sou tão moço! e nada compreendo de mim
Senão que sou cruel com a mulher, e que minha angústia não tem fim.



Fui buscado, também. Buscou-me a sociedade, o anfitrião
E eu fui mendigo em meu salão e me desprezei e disse não.



E me mandaram a Oxford, e eu disse não, e vi jovens viscondes
Que temeram meu pudor, e eu disse não, e me persigno!



Tudo é magia! Lembras-te? o silêncio fantástico das noites
E a alma bêbada de emoção? e nenhum pouso.



Ah, que a vida não tem solução. Muitos o disseram em vão
E o direi em vão, e morrerei, e os que me virem, sorrirão.



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