domingo, 17 de março de 2013

No enterro de Portinari - José Paulo Moreira da Fonseca


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A escura carreta os vultos escuros
sem pausa e sem pressa
um lento novelo um rio o tempo
entre as margens calcinadas
em seu texto de túmulos

Na alameda havia sol
firme
porque estávamos ao meio-dia em fevereiro
uma hora acesa e turva
o pensamento em riste considerando a terra
nossa parca estadia
o encontro e o desencontro

No caixão achava-se aquele homem
que tão densamente indagara o rosto da vida
ali distante
seus mãos enlaçadas
sem mais ofício a cumprir
serenas adormecidas
como se sonhassem muros e telas
na claridade do futuro

E o espanto diante da morte
armou-se em minha alma
perguntando-se além do comum enigma
que figuras não seguiam ali naquele curso
retirantes rebanhos mulheres seu filhos
santos colinas heróis
para sempre imersos na escuridão
sem que olhar algum em hora alguma os tenha visto

Agora o cortejo e seus fantasmas
se debruçam sobre a sepultura
cimentados em muralha amarga
cercando aquela cidade
aquele abismo de poucos palmos
E bruscamente vi as pedras e os homens
as manchas de cor que modelavam o espaço e um enredo
como ele veria se ainda estivesse entre nós
se de tudo aquilo fosse mentar um quadro

E desliguei-me da imagem de seu corpo vazio
mais próximo e real eu o sentia
no meu olhar que daquela maneira
decifrava a aparência do mundo.


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