terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

ORAÇÃO DE FLORESTA E RIO


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ORAÇÃO DE FLORESTA E RIO
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canto de abertura (canto da terra)



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a floresta range
num rio dentro de nós
o rio ruge
na floresta aqui em nós
orai por eles
orai por nós

sons de lendas
visagens que ardem
rogai por nós

mãos postas em desafio
vento indo
rodopiando as direções
da hora norte
rogai por ele
zelai por nós

corpos em eito de águas
impregnados
escorrendo
anchos
esquecidos
orai por eles
rogai por nós

alma de floresta
esfarrapada pungindo
orai por ela
rogai por nós

alma de rio
se amiudando
sumindo
orai por ele
rogai por ele
zelai por nós

afluentes homens rios
calados passando e
vendo passar

leito lodo ruindo
homem vindo
da aridez de mãos tardias
e intenções vazias
bisbilhotando
escolhendo
vindo
vindo

a floresta range
num rio
o rio ruge
na floresta
urge
urge

juntai os homens rios
das margens e matos
com seus calos
e terçados

juntai seus afluentes
em estridência de águas
suas chuvas
em emoção de pranto

juntai sementes em
húmus férteis
maternais

juntai seus habitantes
mais primitivos
sabedores dos seus
mistérios
seres rudes
mas racionais
predadores de mãos
limpas e férteis

juntai floresta e rio
suas entidades
suas lendas em labaredas
o espírito dos seus
mortos
que vivos
estão impregnados
nas suas águas solidárias
no seu verde calado

e quando todos juntos
estiverem na oração maior
que é reunir
somente um grito será dado
escolhendo com as entranhas

o que se quer daqui

.

canto da alma da floresta

.
resulto em harmonia
no corpo esparramado
esfarrapando
tocado pelo sol
possibilitando ainda
nascentes
vidas

resulto da esperança
de habitantes
em convivência
de chagas lacerantes
que cubro toda noite
com uma colcha de estrelas

.
canto da alma do rio

.
do ventre
que venho
o ventre que tenho
traz saudade
da nascente
mas em abraços
recebo contente
todas as águas
que correm em mim
e toda a ferida
que purga por dentro
quando rebento
na angústia de desaguar
se cura no sal
que me é sina
de sempre encontrar


canto dos afluentes


.

seiva silenciosa
matando arredores
deixado nascer
o verde e o maduro
conduzindo o homem rio
servindo-lhe mesa farta
ensinando aonde ir

seiva silenciosa
canto dolente
afluentes
que depois viram braços
entrando
alimentados
e alimentando
fertilidade

vão indo
convivendo
semeando
seiva e silêncios
com seus gritos


canto do vento


..

tece os espaços
leva no ar
o bico dos pássaros
canta
mensageiro de
sementes
em vôo livre
escolhendo
e se soltando
em liberdade
de pé de vento
e rodopio
misturado em desalinho
nas copas
nos caminhos
desfazendo pontaria
espalhando gestos
e intenções de assobio
rindo


canto das margens


.

sou lugar de chegar
e partir

sou paralela
ponto por ponto

às vezes, me aproximo
e quase beijo
receosa, me afasto
mas desejo

sou assim
indecisa por inteiro
nunca me afasto tanto
da outra margem
de mim

todos me querem
desde o olho d´água
pensando que me divide
até o outro lado
que tanto insiste

mas sempre faço convite
quando espraio
em sedução

sou também estrada, limitação
corro em águas
com a alma dentro do chão


canto da chuva


..

sou inesperada
e gosto assim
caio ou me espalho
onde quero

às vezes, sou mansa
e acaricio

noutras, me desalinho
inundo

vivo no ar
mas no fundo
gosto mesmo
de dar de beber
de embriagar
encher os rios
escorrer
fertilizar


canto da semente


.

broto pelos cantos
corro em bicos e corpos
voando

sei nadar
sonho em frutos
e viro galhos
entrelaço
crio espaços
quero o sol

sou o pólen no labor
em mistura
de flor

semeada
dou-me inteira
sustento tua boca
abrigo-te sedutora

quando me busco
sozinha na terra
luto bravamente
pra ser de verdade
semente


canto dos animais


.

no rasto
no risco d´água
na intenção de céu
em invisível caminhar
também semeamos
nossos universos
somos muitos
entre floresta e rio
em palmos
e gotas
no equilíbrio
de nós mesmos


canto dos corpos


.

sou bainha que recebe
a lâmina fria do terçado
de terça a terça
de todas as semanas da lida
vivo
espetado na exuberância
que a simplicidade não imita
sei andar
navego
e tenho liberdade dos gestos
de conhecer até a próxima curva

sou negado em generosidade
de peixes e frutos
no desmazelo de quem me aparta

sou também a conformação
inconformada em mim mesma
imito a floresta e o rio
crio histórias pra esquecer
lembrando
quem posso ser, sendo


canto das lendas


.

caminho
das histórias
de boca a ouvido
passando
de ido a indo
pra memória
de quem virá

verdadeiro
relato que é
possível contar
na palavra que
engole os rios
e faz a floresta
sonhar


canto dos mortos


.

zelai por nós
em nossa hora futura

vós que sois o húmus
que esterca floresta e rio
com a vida morta
de vossos corpos
em brio e semente

vós que com o espírito
em prantos
quer por essa terra
tão pouco e tanto

vós, com vossa voz
ancestral
nos ensina a cantar
nossos vivos

vós que fostes
resplendor
possibilite essa referência
ensina-nos a rezar
por todos nós


canto das mãos

.
santas que no remar
gestos de oração
rogam por nós

mãos que pedem
padecidas
que manuseiam
e se doam
que abraçam em colheita
mãos que ferem
fenecendo
e que benzem
cortam
e são cortadas
que protegem
e que agridem

mãos postas
em carinho
ou em calos
na noite do teu corpo


grito dos reunidos


.

gritamos a hora norte

da harmonia
possibilitar

da convivência
acrescentar

das feridas
cicatrizar

das cicatrizes
só lembrar

gritamos na hora norte
escolher
limitação

conduzir
fertilidade

sustentar
nossa busca

e buscar
nosso destino

gritamos em hora norte
que venham
somar e multiplicar
a nossa generosidade

gritamos a hora norte
na história
do nosso canto

o sonho
também de nossos mortos
que trazemos
por entre as mãos


canto final (canto da terra)


.

nossos corpos
puros na impureza
de reinar
em floresta e rio

nossas mãos
vento e chuva
em floresta e rio

sementes
de afluentes
nas margens
reunidos

com quem vive
e vem viver
com quem morto
vem morrer

com quem cantamos
e canta nesse grito

o que se quer daqui

.
MQ

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