sábado, 11 de março de 2017

Armou o cão

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Estava sozinho em casa, sentado na poltrona de couro, com a espingarda entre as pernas.

Fechou os olhos percorrendo as lembranças, identificando cada momento bom, cada decepção. Sentiu saudade.

Como se fosse um ritual, abriu a caixa no colo, escolheu a ferramenta e começou a cuidar da arma. Desmontou-a peça por peça, lixou as pequenas ferrugens, limpou com a flanela, passando óleo fino em cada encaixe.

Montou e desmontou duas vezes, conferindo a precisão do funcionamento. Levantou-se e foi buscar o carregador de cartuchos manual, escolheu um e calibrou com gestos seguros e carga reforçada.

Terminou a preparação, guardou o material; tomou um copo d’água, tinha a boca muito seca. Olhou contra a luz o cartucho como se o medisse e lhe conferisse uma missão.

Pensou na mulher. Quando chegasse, o quanto se aborreceria.

Desencaixou os dois canos da espingarda e carregou o esquerdo, depois resolveu e mudou o cartucho para o direito.

Um tiro só bastaria.

Depositou a arma carregada no braço da cadeira, levantou-se e ligou a televisão no último volume.

Voltou, sentou-se, reviveu alguns momentos, armou o cão e respirou profundamente antes de puxar o gatilho.

Atirou no tubo da TV.


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