sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Folha caída


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quinta-feira, 29 de setembro de 2016

prelúdio


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- à amiga distante -

 

imagino-te em vestido solto

sentada numa poltrona

de meias grossas

e pés na janela

num fim de tarde frio

bebendo poesia e vinho

 

imagino na tua pele

tons de manhãs

e olhos orvalhados

em pertencimento

 

e um momento de fingido pudor

quando um verso

se aninha em teu colo

e uma gota de vinho

mancha o tecido

que te emoldura o ventre

 

falamos de nava...

te ouço em palavras

e canto poemas antigos

 - meus versos de procura -

carregando a angustia

 

imagino tua embriaguez

e também bebo saudade

nas palavras sem sujeição

que espalhas por veredas

- é tua alma na minha

em atos de amor e desejos

 

na esquina nova do mundo

a distancia da tua presença

toca com ternura minha emoção

para compartilhar palavras

e a intensidade dos poetas

transgressores, loucos sãos

 

ouço villa lobos

lembro ovalle

e sinto saudades...

quando entrego à amiga

por dito de gesto simples

esse um tipo de amor


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quarta-feira, 28 de setembro de 2016

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Nascimentos


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Quando tua boca vadia me percorre

Macia, molhada, sedutora

Um deus nasce em volta

Sem saber se explicar

Tão sem rumo o coitado

Nem sabe pra onde olhar

 

Se as mãos, se permitindo

Se os olhos, vazios de medo e dor

Ou se o arrebatamento

De dois corpos em um

 

Implora, quer a beleza

E a liturgia da intensidade

Que seu credo quer negar

 

Prepara tanta razão

Para o silêncio desmanchar

Que finge até segredos

Mentindo para vendar

 

Quando teu desejo sem pudor me envolve

Lânguido, libertário, sedutor

Nasce dentro da minha carne

O ser sem deus que é o deus da tua carne


MQ

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Violeiro

 
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sábado, 24 de setembro de 2016

Carta a Dali - Marco Antonio Quinan


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Mougins, 2 de dezembro de 1968

 
Caro amigo Dali,

Estou lhe escrevendo, pois nestes tempos estava revisitando minha vida. Acho que está chegando a hora. A saúde não anda boa. Aquela coisa que você, Miró e eu chamávamos de “insanidade de Deus”, lembra? Essas moléstias... Como pode alguém construir algo que deveria ser eterno, mas que é bastante perecível? Estou fazendo um projeto com gravuras agora, nada de pincel para não dar aos críticos engraçadinhos a possibilidade de analogias simplórias com meu último nome. Ou cansar este braço por demais cansado. Estava lembrando a infância, e outros caminhos que percorri. Muitos momentos. Em alguns deles estava você. E no mais marcante também. Ainda não consigo me perdoar por aquilo. Aquilo me persegue até hoje. Comecei a planejar uma nova obra, composta de 347 gravuras. Pois bem, nos temas novos o circo, as touradas, situações eróticas, claro. Esses 87 anos me ensinaram a gargalhar em silêncio. Situações eróticas... Que coisa! Chega de pintar a pobreza, a cegueira, a alienação e o desespero. Gilot não gosta muito deste assunto erótico propriamente dito. Ela insiste que eu volte às raízes. Mas sabe como é mulher, acha que somos sempre completos como no começo de toda relação, e não sensivelmente fracos a nos apaixonar por novos hábitos, novas idéias. Lembra das litografias e cerâmicas? Queria ser somente um artista na perecividade da vida. Mulheres... Passei a chamá-la de “Gilotina”. Cortante assim.

Lembrando estes dias moribundiantes, consegui colori-los com as memórias. Lembro-me de quando foi me ver antes de ir ao Louvre. Daquele seu olhar asfixiante, reverenciando-me de uma forma que não esquecerei. Essa loucura que você sempre teve, e que as pessoas achavam que era fazendo tipo. Quem sabe até Leonardo estivesse realmente a frente de nosso tempo, e na antítese de Mona Lisa estivesse essa loucura que falo do seu olhar. Nós em Paris, discutindo seu anarco-monarquismo. E boas doses de álcool. Ah, estas doses, com tantos goles... Nós na inebriante Catalunha, cambaleando por aquelas ruas, anônimos. Você, Miró e eu. Da Passagem Saint-Lorrane, aquela dos prostíbulos. Eu só de lembrar que você fazia aquela brincadeira de mexer as orelhas, assustando as moças. Uma veio correndo em minha direção dizendo que seu bigode estava batendo asas. Miró já atordoado, inebriante e gritando: “Corre senão ele abre a boca e solta o pássaro que está lá dentro pra te pegar”. Lembra? Aquela epidemia espanhola que se espalhou, dizem, pelos pássaros. As brincadeiras que você fazia com as moças. Ah, este tempo que não volta. Estas mãos trêmulas, em tinta viva. A carne ficou nos quadros. E quando lembro dos seus não me perdôo. Ah, Dali, sei que a inspiração de um artista sobrevive de tragédias. Pode ser no amor que ela aconteça, mas é pela tristeza e pela tragédia que a inspiração permanece.

Nao sei se escrevo me despedindo, ou se de certa forma tento me desculpar por algo que nao consigo voltar atrás. Perdoa seu amigo. Não consigo me redimir daquilo. Aquela noite que fundamos algumas bases que estes novos artistas usam até hoje. Aquele papo do Miró de técnicas de tracejamento. Eu nao consigo esquecer aquela sua coleção de relógios. O que fiz foi imperdoável, mas você imortalizou em sua obra. A sala de sua casa era magnífica, com todos aqueles relógios, dos mais diversos lugares do mundo, de presentes de diverso governos, alguns até mantidos na família por gerações. Eu e este meu sono profundo, pesado, causamos tudo aquilo. A forma como virei, sonambulamente na madrugada, e bati com força naquela frágil parede derrubando e quebrando a maioria dos relógios da sala. Eu sei que voce conseguiu salvar apenas dois, mas me penitencio pelos outros cinquenta. Até entendo que nossa relação naquele momento rachou, embora tenhamos conseguido retomar de um ponto que me orgulho. Mas hoje choro por lembrar da forma contemplativa como me olhou naquela primeira vez. Você diz que meu trabalho lhe inspirou bastante, que fui seu mestre em alguns momentos de indecisão no processo criativo. Que ter destruído sua coleção de relógios lhe marcou muito, mas quando vi seu primeiro quadro, onde eles aparecem, nao parei de chorar por muitos dias. Os relógios “escorrendo”. Aquele tempo que não volta. E que nao pára. Perdoa-me neste fim da vida. Perdoa-me por ter te inspirado tragicamente a retratar estes relógios esvaindo pelo chão, este tempo que escorre ainda hoje de minhas mãos. Perdoa-me por um prejuízo que lhe pago de uma outra vez. Numa outra insanidade de Deus.

  

Eternamente
 
Pablo Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno Maria de los Remedios Cipriano de la Santissima Trinidad Ruiz y Picasso.

 

Marco Antonio Quinan

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sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Uirapuru

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Japuaçu bicou o fogo

Procurando por calor

O bico ficou vermelho

Agora é sua cor

 

Japiim canta imitando

Tudo que ouviu cantá

Todas as aves do mato

Menos tanguru-pará

 

Jurutaí com seu agouro

da sombra aparece

Quando a noite é escura

Sua risada enlouquece

 

Juruti que traz sorte

De dentro do seu tajá

Espanta até a morte

Deixando o amor ficá

 

Em volta tudo se aquieta

Harmonia corre o ar

o encanto desperta

Quem sabe ensina cantar

 

 

 

Doutrina

 

“Do ninho tirei pedaço

O cauré não disse não

Foi logo pedindo um naco

De cabeça e coração
 

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quinta-feira, 22 de setembro de 2016

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Coisa instituída



Mente, mente e mente...

Influencia as mentes e mente...

Se oculta e mente

Comanda, usa e mente

Explora e mente

Arquiteta despudoradamente e mente

Arvora-se indecentemente

E mente, mente e mente...

 

MQ
 
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terça-feira, 20 de setembro de 2016

Pequena

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sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Rol das almas

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O dia delatava muita chuva, o céu foi escurecendo num passar de triz, o vento soprando dobrado. Nela cair, enchia o Vai Vem desde a cabeceira. No solavanco da água, descendo o leito, caiu a escora e o pau mais perto que sustentava, no apoio, o encabeçamento do pontilhão. Resvalo dele cair, atingiu seu Dedé que demorou a atender o grito dos companheiros para correr dali. A cheia engoliu seu Dedé e os quatro esteios de aroeira assentados e foi solapando a beira, engolindo os barrancos. Água-lama, turvada do que lambia no jungir, barro só, pejando a várzea.

 

Seu Dedé foi...

 

 

O vento era tanto que avivava o borralho sem precisar soprar. Lucimar punha a lenha e gritava para Mariinha chamar dona Esmeralda. A chuva lavava o mundo, no entender da beata, bom agouro quem nascia num dia assim, fosse noite, não. Era sinal contrário. A criança estava por não esperar e não esperou. 

 

Tavinho veio...

 

 

Ninguém se conformava, vê-la ali, deitada, quase sem força nenhuma. O rosário nas mãos e nos lábios a reza diária, rezava na febre. Rezava pedindo a vida, rezava pedindo um homem para a vida, podia ser Zitinho, podia ser Jeromo, podia ser... Faz chá, limpa eu, sussurrava. A febre tomava conta, vinda sabe lá de onde, pegar Nica com o terço na mão, rezando. Rezava pensando em Zitinho, o corpo foi esquentando, achou que era outra febre, era não. Era só no corpo, desmaiou. Desmaiava toda hora. Meu terço, traz meu terço, acordando pedia. Faz chá, chama tia Filó.  

 

Nica foi ...

 

 

Preparado estava tudo ali, bacia, balde d’água, os panos, cordão, tesoura, folha de fumo, o paninho feito rolete para ela morder e até uma garrafa, se precisasse soprar. 

A parteira já dormia a segunda noite no quarto ao lado. Um pouco ansioso, Necão dormia junto da mulher, metade dele dormia e a outra era a atenção figurada no modo espaçoso de ele lidar com aquela hora. Na madrugada, tudo calmo, o sono tomou conta e Necão dormiu as duas partes, só acordou no dia raiar, com a cama toda molhada e a filha, primeira, nascida com o silêncio da aurora, nos braços da mulher. 

 

Davina veio...

 

 

- O palhaço o que é? É ladrão de mulher...

 

Ia passando pela rua o primeiro circo no lugar. Aquela gente meia cigana anunciando, sem vergonha nenhuma, a função da noite, que muitos nem sabiam o que era. Na porta de casa, Zilá ficou sem graça quando o artista fez uma mesura, cantando malicioso fez uma segunda mesura, como que convidasse.

 

- O palhaço o que é? É ladrão de mulher...

 

Zilá sentiu um estranho, o bico dos seios intumescer, um calor no corpo, que a lembrava donzela, percorrer. Quis mais, quis de verdade, quis tanto que começou a encontrá-lo quando ia lavar roupa na Pedrinha, a sonhar com ele quando fazia o almoço, a rondar o circo, até com o marido junto.

Num dia, o largo vazio, nem notícias dele, tinha ido embora. A tristeza tomou conta dela, acompanhou até o copo de formicida.

 

Zilá foi...

 

 

- Chama alguém, compadre, tem alguma coisa errada, a comadre tá sofreno muito.

 

A vizinha não sabia o que fazer. Recurso não havia ali, a Vila ficava a mais de  três horas de trote, ainda tinha que buscar o cavalo no pasto. Damião, desesperado, chegou perto do catre e pediu para a vizinha sair. E ali, só com a mulher e a coragem, respirou fundo e puxou a criança do ventre da mãe como fizera com o bezerro da vaca Castanha, na semana anterior. Quando a vizinha ouviu o choro e correu para ver, Damião estava cortando o umbigo do filho que a mãe já tinha no peito.

 

Jujim veio...

 

 

Restinho de pirraça levava, tardando nele, fazendo tudo ao contrário do mandado pela irmã.

 

- Leva as costuras correndo que dona Clotilde tem pressa.

 

Ele demorou, passou na Pedrinha, tomou banho com a meninada, juntou com a encomenda as roupas e voltou nu, até passar pelo quintal do seu Valdivino, pirraçando ele. Quando se vestia atrás da moita de bambu, sentiu a picada na perna esquerda, aquele ferroado marimbondo, coisa de nada. Em casa, começou a repuxar a perna esquerda, o lugar da picada inchava num vermelhão estancado. Teceu chamou a irmã, já era madrugada, fizeram de um tudo. O menino amanheceu só um pouquinho.

 

Teceu foi...

 

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quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Valsa Verso

 
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