quinta-feira, 30 de abril de 2009

ALESSANDRO PENEZZI - SÃO PAULO - BRASÍLIA - BELO HORIZONTE - TENERIFE - ESPANHA

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CRISTINA FARAON - Pele

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Enquanto estiver nesse corpo
Vou querer o teu no meu
Acho que vou te querer sempre
Enquanto tiver em memória
Um palmo da tua pele
Enquanto minha pele lembrar da tua
Os meus lábios - todos eles
Vão querer percorrer tua extensão
Tomando posse, com o paladar
De cada centímetro teu

Posso escrever-te mil frases
E enfadar-te com meus impulsos
Não me envergonho.
Esse é o prêmio ou castigo
Por me teres despertado
E mostrado o que eu perdi
Desde o dia em que nasci.
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Cristina Faraon - http://cadeaminhavida.blogspot.com/
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KLÉBER ALBUQUERQUE - SÃO PAULO

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O POVO DO BELO MONTE XV - Anabel – Relato de sua convivência com Brás Teodoro.

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Desde que o vi pela primeira vez com fisionomia cansada, mas aparentando muito menos idade do que tinha, apaixonei-me e tentei chegar dele o mais próximo que pude. Talvez o tenha amado como a ninguém. Às vezes me perco em pensamentos e nem sei se ele existiu de verdade ou se estou existindo de verdade sem ele.


Quando comecei a visitá-lo mais de uma vez toda semana, sem telefonar para marcar, me acostumei a saber quando ele queria que eu entrasse. Foi pela música. Se estivesse tocando Villa Lobos não me receberia. Quando me deu a chave da casa, nem precisou me falar desse sinal. Outras coisas aprendi naturalmente: não mexer no seu material de trabalho, em sua estante de livros, nos discos e na sua vitrola nova com uma caixa enorme de agulhas; nem na gaveta onde jogava a correspondência que recebia e nunca lia.

Nunca havia conhecido alguém assim, que ouvisse minhas confidências com atenção e interesse sem se intrometer. Ouvia dos meus amores, enganos e pequenos acertos, calado. Era como se pertencesse a minha história. Eu me desnudava inteira como nunca fizera antes nem com minha melhor amiga. Dessa forma me entregava a ele que nunca falava de suas coisas pessoais. Nossa comunicação tinha um formato diferente, uma espécie de amor e cumplicidade e a dose grande de loucura dos seus últimos meses que eu compreendia sem entender. Uma primavera inteira na intensidade de quase um século, foi o tempo de nossa convivência.

Entreguei-me totalmente às tarefas que me impus: coisas práticas do dia-a-dia e aos seus olhares que me falavam de lonjuras e plenitudes, sem conseguir esconder a angústia e a solidão. Em diversas ocasiões o desejei, quis seu corpo e quis lhe dar o meu. Uma vez ele me disse que meu olhar era muito generoso, e que via a vida no seu trabalho, e que ele via meu olhar ver a vida dele. Pensei beijá-lo naquela hora, mas não tive coragem. Seria como arrancá-lo de alguma intensidade; acabara de pintar sua mais bela obra e chorava por muitas horas quase todos os dias. Eu ficava sentada do lado de fora da porta ouvindo repetidamente as Bachianas e seus soluços.

Naquele dia, quando a música parou e entrei, vi o quadro Caminho de Uauá pronto. Admirei com os olhos lacrimejando na emoção da beleza de obra e autor se confundindo nos meus sentimentos; do artista e do homem vivendo em meu coração intensamente.

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DANILO VIDOTTI - SÃO PAULO

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quarta-feira, 29 de abril de 2009

ARQUITETURA - Entreatos

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Tinha um poder incomum de idealizar e a construiu minuciosamente, em cada detalhe do corpo esbelto e exuberante.


Cabelos macios, a nuca que ninguém havia sonhado ainda, andar seguro, cheiro de manhãs e de orvalho na pele macia.

Expressões no rosto, um mais lindo olhar. Jeito moleque, outro de muita experiência. Doses de sabedoria, outras de solidariedade.

Idealizou risos, alegrias, o modo de dançar. Conferiu gostar de Villa, Cândido, Vinicius e Rosa. Deu-lhe vida nas menores coisas, impôs simplicidade, sensualidade, um jeito insinuante. Deu-lhe a coragem, liberdade e a urgência do enlevo.

Encantado, desenhou os pés e a leveza nos gestos estabanados.

Idealizou os instantes e deu ao seu sexo a maciez e o gosto ainda inexistentes.

Plantou em seu coração o amor e a paixão como única semente existente.

Sentiu-se feliz, muito feliz, um deus, mas só conseguiu fazê-la viver dentro de si.

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MQ
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JEAN GARFUNKEL E PAULO GARFUNKEL - SÃO PAULO

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MARIELZA TISCATE - Espera

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Era de tardezinha
Pobre dela
Esperava
Já não tinha nem mais
Uma ponta de sol
Pois o mar engoliu inteiro

Veio a noite todinha
Sem lua nem nada
Pobre dela
Esperava
Atinava não
Nos porquês daquilo

Pobre dela
Nem sabia
Que acontece assim mesmo
De não lembrar mais
Dos rostos que ficam no cais

Manhãzinha
Conformada
Assuntou com a vida
E entendeu
A espera
Malvada

Saiu para a lida
Ela, o mar e o vento
Quem sabe em uns dias talvez
Ela também fosse água
E aí não seria preciso
Mais essa espera nem nada
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TEATRO CUÍRA - BELÉM

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ANA TERRA


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... Muitas vezes aprendi a voar e quem me botou asas sempre foi a paixão, que considero um amor elevado a algumas potências. Não estou nem aí para as diferenças entre paixão, amor e amizade que estamos acostumados a ouvir. Para mim é tudo feito da mesma matéria, só muda a intensidade. Com a mesma pessoa amada você pode alternar esses sentimentos, não considero uma hierarquia onde, por exemplo, o amor, com o passar do tempo, se transforma em amizade. Pode sim, se transformar em paixão novamente, mesmo com 50 anos de convivência. A vida, e cada um de nós é tão surpreendente...


http://www.viapolitica.com.br/busca_view.php - procura Ana Terra

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terça-feira, 28 de abril de 2009

PAULO CESAR PINHEIRO - OBRA PRIMA DA CULTURA BRASILEIRA

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Fotografia: Marcos Quinan

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Solidão


Eu sozinho sou mais forte
Minha alma mais atrevida
Não fujo nunca da vida
Nem tenho medo da morte

Eu sozinho de verdade
Encontro em mim, minha essência
Não faço caso de ausência
E nem me incomoda a saudade

Eu sozinho em estado bruto
Sou força que principia
Sou gerador de energia
De mim mesmo absoluto

Eu sozinho sou imenso
Não meço nunca o meu passo
Não penso nunca o que faço
E faço tudo que penso

Eu sozinho sou a esfinge
Pousada no meio do deserto
Que finge que sabe o que é certo
E sabe que é certo o que finge

Eu sozinho sou sereno
E diante da imensidão
De toda essa solidão
O mundo fica pequeno

Eu sozinho, em meu caminho,
Sou eu, sou todos, sou tudo
E isso sem ter contudo
Jamais ficado sozinho



Paulo Cesar Pinheiro

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segunda-feira, 27 de abril de 2009

VICTOR BIGLIONE - RIO DE JANEIRO

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Dia: 28/04/2009
Local: ALEGRO BISTRÔ MUSICAL - Modern Sound
End.: Rua Barata Ribeiro, 502 - D
Copacabana - RJ
Horário: 19:00hs
Tel.: 2548-5005
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DITADURA NACIONAL

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Poder da incompetência
Do descaso
De ladrões

Poder do corporativismo
Da falsa cidadania
Produzindo miseráveis

Sobranceiros
Dessabendo
Valores

Incultura
Ditando a norma
E sua curteza

Tanta necedade
De improficientes
Cheios da prenoção
De capacidade

Homens faltos
Exibindo pedantaria
E doutrinice
Vivendo a inópia
Do caráter ou mascando latim
No entreconhecimento
São Indoutos, larápios
No desserviço
Albardeiros e canalhas
Sarrafaçando sem suor
Como se tudo fosse inoficioso

Homens de exceção
Sem valores ou honra
Homens vãos
Que nem se percebem
Por ditadores que são.

MQ
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Ditadura
[Do lat. dictatura.]
S. f.
1. Forma de governo em que todos os poderes se enfeixam nas mãos dum indivíduo, dum grupo, duma assembléia, dum partido, ou duma classe.

Dicionário Aurélio

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MÁRCIA CORRÊA

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tem o corpo dobrado sobre si mesmo
envolto em coberta de melancolia
sente a alma pairar suave
formando camada fluídica e macia

levita invisível colcha de retalhos
cada pedaço um sentimento
cada costura um pensamento
incontida vontade interposta

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Márcia Corrêa - http://novopapeldeseda.blogspot.com/
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RONALDO FRANCO

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O instante é esse rosto
- uma ínfima e veloz porção
de uma flor andando -
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Ela oscila
entre o triunfo de ser mulher
e a indizível
manhã em seus passos...
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A rua se abre em
homens, mulheres,
bicicletas,vozes,
essas coisas comuns,
esse caminho de palavras...
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E ela passa sol:
- despetala as sombras do dia
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O amor
leva em seu lenço...
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ANGÉLICA TORRÊS - Retiro

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O sol e a lua de perpetuavam em coqueiros.
E o cheiro da mata, de samambaias
palhas e cavalos esfumaçava-se no ar
cozido em fogão de lenha.
A infância voava em balanço de cordas.
O cigarro de palha era desfrutado no paiol
às escondidas dos adultos
emoldurados pelo medo.
E tudo ia bem. Sem olhares maliciosos,
a adolescência seguia seu curso sadio
sob a Via Láctea e as Três Marias
vigiando o delírio vazio
de espelhos profundos
e assoalhos sem brilho.
E tudo iria bem, da adolescência
até o enterro sob a terra doce do Morro
onde vivem para sempre os bambuzais solitários
e a cruz de dona Iracema.
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Angélica Torrês
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JAC. RIZZO - Na areia

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Tudo ficou tão velho e já antigo
Que nem sei por onde começar
Ou continuar...
Mesmo querendo

E às vezes releio, te visito
Tento catar emoção
Em meio aos cacos de vidro!

Que gostar é estranho
E quase sempre sem sentido!
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VIOLEIRO

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Barro queimado: - Marcos Quinan - Fotografia: Paulinho Dourado
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sábado, 25 de abril de 2009

REFLETINDO

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"Nunca se ache demais, pois tudo o que é demais sobra, tudo o que sobra é resto e tudo o que é resto vai para o lixo."

Autor desconhecido




NICE PINHEIRO - http://www.nicepinheiro.blogspot.com/
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TUCURUÍ - Jeito de sentidor

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Fugindo para perto
Do inimigo talhado
No verde que o verde
Serviu camuflando

Uma cerca no rio
Qual fundura nova
O leito queria
Seria uma cova?
Assoreado não podia

Mas foi como ficou
O verde sumiu no verde
Quase ninguém notou
Durou pouco o ditame
E deu-se a confusão
Pensavam em provimento
Tirando com muitas mãos

A memória se guardou
Em todo durante tempo
O incerto não temido
Esperou o tormento
E o certo destemido
Executou seu momento


MQ
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CONDICIONAL - Dentro da Palavra

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Condicional

(Marcos Quinan)

Na primeira cena
O calor escorreu por entre
O aperto das mãos
Habitou o vazio dos olhos
Na segunda cena
A fragilidade do tempo
Ficou em algumas canções
E velhas histórias de amor
Num segundo se passaram horas
E a tarde que a noite acoitou
Na terceira cena
O corpo queria falar
Mas se calava
Os olhos queriam te desnudar
Mas te vestiam
A boca só queria teus beijos
Mas só disse frases n
o condicional

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Voz - Vital Lima
Arranjo de base - Eudes Fraga
Arranjo de cordas e clarinete - Roberto Stepheson
Violão nylon - Eudes Fraga
Clarinete – Johnson Joanesburg
Cello - Manoel Antônio
Viola - Ivan Zandonade
Violino - André Cunha
Moringa / pandeiro - Marcos Amma

Encontre na www.ladodedentro.com.br

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sexta-feira, 24 de abril de 2009

CINCO QUADRAS - Entreatos

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A distância era de pouco mais de cinco quadras. Na porta, consultou o relógio; olhou distraído para a rua, sentiu a primeira pontada e não sentiu a mão direita.


Nos primeiros passos, a falta do braço inteiro. Olhou a esquina e uma das pernas foi como se tivesse sido arrancada de um puxão. Olhou para os lados, querendo passar despercebido; a outra mão, com o braço inteiro, entorpeceu, não sentiu mais.


Mal chegou na esquina da quadra, a outra perna. Olhou no relógio de novo, o tempo conspirava. O sexo e a bunda pareciam cortados pouco acima do umbigo. Suou frio, olhou a próxima esquina; suou mais ainda, despercebeu até o pescoço.
Aflição, o tempo, a próxima quadra, e a nuca ficou como se flutuasse no ar, até que não a sentisse mais. As horas, a calçada, um torpor. Acontecia.

Perdeu o cheiro, o gosto começou escorrer deixando um rasto. O tempo, a penúltima quadra era a praça - e os olhos foram sumindo bem devagar, mas a boca e o resto do rosto arrancado como se tirasse, em outro puxão, a máscara.


Na quarta quadra, por último, os pés se distanciaram dos dele e pode vê-los, tão belos, caminhando na frente; andavam para uma intensidade, para outras vidas.

Acompanhou sem lágrimas cada passo. Olhou em volta. Todos o observavam ali parado. Um corpo disforme e vazio que precisava andar.

Suspirou, olhou o relógio, continuou até a esquina. Pronto. Tinha acabado.


Estava só com a sensação de tê-la ainda totalmente dentro de si.
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MQ
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MARISA (A)PENAS

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CONCEITOS


Levantar firmes propósitos,
segui-los como totais:
isto é ter ideais...

Estar com alguém ao lado
seja falando ou calado
não exigir nem cobrar:
isto é amar...

Apreciar quadros diversos
no avesso ou na textura
independente da moldura
captando a sutileza:
é realçar a beleza!

Considerar cada espaço
apreendendo as separações,
inumeráveis opiniões,
reconhecendo o direito:
isto é ter respeito...

Adquirir conhecimento
naquilo que ele é
pelo seu discernimento:
isto é ter fé!

Aproveitar cada segundo
buscando tudo sorver
pensando na graça do mundo:
isto é viver e morrer!...
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DRIKA BOURQUIM - VER-O-PESO

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CORREIOS: NOVOS EDITAIS DE PATROCÍNIO CULTURAL

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A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está com quatro editais abertos para patrocínio de atividades culturais que irão compor a sua grade de programação no período de outubro de 2009 a dezembro de 2010. A seleção é destinada a projetos de pessoas jurídicas a serem apresentados nos espaços culturais dos prédios dos Correios nas cidades do Rio de Janeiro, Salvador, Fortaleza e Juiz de Fora.

Os editais fazem parte do Sistema Aberto de Seleção de Patrocínio dos Correios, realizado com recursos diretos da instituição. Nesta edição está sendo disponibilizado um total de R$ 4,19 milhões a serem distribuídos no patrocínio de projetos dos segmentos das Artes Visuais, Música, Artes Cênicas (Teatro e Dança), Humanidades (Eventos Literários e Saraus) e Audiovisual, nos centros e espaços culturais dos Correios.


Há duas modalidades de seleção nestes editais. A primeira é destinada a patrocínio dos projetos a serem apresentados e a segunda de cessão dos espaços culturais dos Correios para a apresentação de atividades culturais. Na modalidade patrocínio, cada segmento artístico concorre a um limite específico de financiamento.

Os editais irão contemplar áreas culturais diferentes, de acordo com a capacidade de exibição dos espaços oferecidos nos prédios dos Correios em cada cidade. Apenas no Rio de Janeiro haverá seleção para todas as modalidades do concurso. Em Salvador serão selecionados projetos nas áreas de Música e Artes Visuais e nas cidades de Fortaleza e Juiz de Fora somente Artes Visuais.
As inscrições estão abertas até o dia 29 de abril e podem ser feitas no site da empresa, no link Patrocínios.

Mais informações
www.correios.com.br


NICE PINHEIRO - http://www.nicepinheiro.blogspot.com/

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RUY GODINHO - RODA DE CHORO

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SÁBADO – DIA 25.04.09

O destaque do 1º bloco vai ser a Coleção Choro Carioca - Música do Brasil. O autor enfocado é João Francisco de Almeida, autor da valsa Albertina, seu maior sucesso, que ganhou letra de Catulo da Paixão Cearense.

O 2º bloco traz o virtuosismo do paulista Dilermando Reis em violão solo no CD Dilermando Reis – Homenagem a Ernesto Nazareth*, lançado em 1973.

No 3º bloco teremos o nostálgico, porém belíssimo som da sanfona de Sivuca, acompanhado pelo Quinteto Uirapuru, em CD lançado pela extinta gravadora Kuarup, em 2004.

No 4º bloco o destaque é a cantora baiana Márcia Lordelo e as modinhas do CD Mesclar Emoções, ainda não lançado comercialmente.

No 5º bloco, a performance do compositor, arranjador, pianista e cantor paulistano Roberto Lazzarini e o som do CD Libera o Bicho, lançado em 2004.
Do acervo de Carlinhos Sete Cordas e Alcione Tomé, cedido ao programa.
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Ouça pela internet:
Rádio Câmara, Brasília:
www.radio.camara.gov.br (rádio ao vivo), sábados, 12h.

Rádio Roquette Pinto, Rio de Janeiro:
www.fm94.rj.gov.br
terças e quintas-feiras, 14h; quartas e sextas-feiras, às 2h.

Rádio Universidade FM, Londrina-PR, quintas-feiras, 22h.


Produção e Apresentação: Ruy Godinho
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quinta-feira, 23 de abril de 2009

O POVO DO BELO MONTE - Fotografias tiradas por Anabel

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Únicas imagens deste trabalho, a espátula como foi encontrada e seu último esboço deixado junto aos poemas.
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Antônio
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A Guarda Católica
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Cantando Loas
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Antônio dos Mares
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O Caminho do Uauá
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A Família de Caluta
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Caminho de Massacará
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O Beato
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O Conselho
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Pé de Côco
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Laurina
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O Povo da Terra
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Antônio Penitente
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Beatinho
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Zé Sereno
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Beleléu
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Gente do Tucano
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As Beatas
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Tifio Finando
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Benzendo Benícia
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Bandeira do Benvirá
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Severo Dias
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Bendegó
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Ponta do Cambaio
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Os do Manoel Quixadá
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Ana das Letras
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Conselheiro
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Quilimério
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O Esboço
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A Espátula
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O POVO DO BELO MONTE XIV - Brás Teodoro

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Mal abri os olhos e eles estavam na minha frente, mais velhos do que na vez anterior. O semblante preocupado, mas sem a tristeza e a curiosidade das outras vezes. Ana das Letras parecia querer me falar alguma coisa e não sabia como começar. Ao seu lado, Quilimério quase sorria. Minhas mãos não atiraram, pensei. Ela assentiu com um movimento quase imperceptível e me tomou as duas. De pé nos aproximamos do quadro quase pronto de Quilimério.


“ - Agora que já estamos partindo, quero te falar de Quilimério. É teu pai... foi o derradeiro a tombar. Tua mãe, Laurina, é aquela ali cantando loas. Foi no Belo Monte que nasceste. Nos últimos dias estavas comigo... eras muito pequenino, e teu pai, altivo demais, lutou até as últimas forças na frente da Igreja Velha.”

Olhei a tristeza nos olhos de Quilimério, secos como a caatinga e ao mesmo tempo irradiando uma luz que era o mais puro amor.

“- Tua mãe entregou a derradeira quarta de farinha uns dias antes. Eles casaram no Cumbe e vieram desde os primeiros do Belo Monte.”

As lágrimas escorreram fartas e silenciosas. Queria, e a criação se punha em posição de mostrar o horror de tudo que tinha visto, no primeiro movimento que fiz com a espátula senti seu olhar me pedindo e depois sua voz calma.

“- Deixa o povo do Belo Monte assim. Termina tudo e vai com teu pai, ele veio te buscar.”

***

No pender do sol, sombrando debaixo dum mulungu seco era como se fosse melúria; o terrento me viu e veio trambecando com a viola encostada no rosto. Ouvindo o sintoma das cordas, o opinoso cego gritava estridente nos meus ouvidos: “- tirante o susto; estás achado, mofino... Disse-me. E gritou sua cantoria:

Recolham as armas
E salguem os punhais
Que a aurora seja perfumada
E a lua nasça nos quintais
E nas ruas corram proclamas
Desobrigando os leais
É chegada a hora
Da confiança nos beirais
Uma nova lei escrita
Nas canções dos desiguais
Deixando o amor nascer
Na verdade dos mortais
Recolham as armas
Selem os sinais

Ia cantando e as cordas da viola se enroscavam no meu pensamento, puxando por cada ponta a ignorância e a prepotência. Um medo ajudava a tensar o aço e chicotear talhos pelo meu corpo. O sangue esguichava pedaços de corpos, gritos tomavam formas em volta e o cego continuava tocando e cantando enquanto me fazia, com as duas mãos esticando os braços, um sinal de dedos me chamando para junto dele. Num mesmo tempo que chamava, tocava o canto da loucura das palavras penetrantes e sãs.

***

O ódio tomando conta, não cansava a guerra. Ia desfibrando em demônios arranjados com tantos assaques. Andava de um lado a outro entre o insultuoso, maculando vontades, parecendo um rio cavando e engolindo, ou aleijando o Deus daqueles todos; a gargalhada do cão ressoava sem repugnar ninguém. Velhas vaidades temendo olhar, tentando submeter, entendendo o sinistro nos benditos que a morte não tirava da voz.

O menino pegava dos corpos estendidos os clavinotes e qualquer outra arma; o polvarinho, as cartucheiras e a pouca munição de boca que encontrava. Andava por entre os mortos como se cumprisse tarefa de limpa; o que recolhia carregava por entre as casas e amontoava na escola. Parecia brincar denodado mal, sem dar importância ao peso que carregava.

Mal dei conta do estilhaço cortando sua carne; só vi a fumaça misturada com a poeira encobrindo tudo. Quando dissipou, jazia seu corpo e o cachorro dando voltas; ora lambia chorando o rosto, ora uivava olhando pro céu e me olhando. Tiros a esmo pareciam cerzir a morte na vida e me costurar naquele momento.

Crianças não sabiam quem eram, nem choravam mais e giravam em volta de mim. O estupor pairava por entre ruas e casebres. Sentia isso mas, na verdade, só enxergava o cego fazendo sinais. Cadáveres se amontoavam diante dos meus olhos, sem túmulos pelos aceiros e os gritos daquela música tocavam dentro dos seus ouvidos e aclaravam o silêncio da morte. O vago entrava no meu cansaço; os membros crispavam e meu tempo voltava numa sensação de terra molhada de sangue.

Estava vivendo momentos que imaginava, mas sabia serem reais. Estavam lá nas fisionomias, passando devagar por entre os cães comendo cadáveres, gente que reconheci, acompanhei em seus sonhos, botando o simples no fazer.

Mulheres estupradas entre corpos mutilados exalando odores, atraindo todos os seres de rapina. Famintos, arrimos de milhares de outros famintos entre caatingas e carrascais. Sortilégio de mãos sem o decoro das palavras apontando quem vivia nas liberdades.

Crianças chorando silêncios, sede e fome, sem entender o Deus e os homens; sendo levadas sem intrujir a caridade naquelas mãos ofensoras, disputando os pequenos seres sem lágrimas; olhares esbugalhados no vácuo, como troféus distribuídos na aparência dum patriotismo de fardamento e sotaina, louvando arrogo.

No meio das crianças, mulheres e velhos, me vejo com dois anos, sem entendimento, sendo amparado por Ana das Letras. Sou tomado na minha frente, como um jaguncinho e não como criança indefesa gritando fome e sede, com a irrealidade da morte impregnada no olhar enquanto a professora conhece a Gravata Vermelha ao lado de Antônio Beatinho.

As imagens estão sobrepostas. Inanido vejo-me seduzido pela boca por um oficial e sou levado pela mão pra distanciação da minha gente e da minha ausência de entendimento. Olho uma única vez para trás. A cena produz um abafamento no ar. Denso, meu corpo toma a dor, a terra seca, esturricada e a caatinga acinzentada se põem em silêncio para assistir, junto comigo, eu menino, ser levado para a adoção junto com outras crianças escolhidas como gado no meio de quem não resistiu e se entregou.

Daquele oficial não me lembrava. O que vinha forte era o casarão sempre em festa, o meu quarto no porão dos fundos com o cheiro pesado da falta de ventilação e do mofo... os doze anos passados, servidão cobrada todas as horas antes de fugir para a vida, deslembrando, cada dia, aquela gente poderosa.

***

Quando me dei conta ela já tinha cortado o pescoço, e o sangue esvaía-se caudaloso empapando a roupa, mal cobrindo seu corpo; o espelho quebrado estilhaçando fisionomias restava no chão... uma ponta em sua mão pingava sangue. O corpo tremia espasmos desenganando a vida. Da porta, uma cortina de panos sujos, os rostos assonsados olhavam sem ação. As fuampas e suas doenceiras olhavam a menina ainda botando corpo, bulida na noite anterior e não acudiam o último instante. Ela era muito nova e dada, sorria por qualquer coisa, diziam sem entrar no cômodo. Minhas mãos tocavam no corpo quietando; na validade daquele desespero, ouvia o balbucio saindo do corte: “... mãe...!”

Naquele lugar sem luxo ou vaidades, o ludibrio tocava na ignorância e na força das tropas carregando negociatas e usuras; impondo fome, doenças e maus tratos às mulheres de todas as idades que conduziam prisioneiras. Vi muitas restando no caminho pelos bordéis.

A fumaça arde, a sede queima, o calor abrasa, a poeira sufoca e tudo sofre. É quando me sinto na sala e vejo Ana das Letras arrumar quadro por quadro e ficar ao meu lado enquanto termino de escrever essas palavras. Só agora sei que as escrevo pra você, Anabel, e o amor que juntei das lembranças e só lhe dei em meu pensamento e o que mais existiu dentro da vida.

Meu pai Quilimério sorrindo estende a mão; vejo na mãe um contentamento e sei que não volto mais. Vou com meu povo para um lugar novo, um silêncio. Agora sei minha história que te deixo junto com meu amor. Vou na imensidão da loucura levando o estandarte de um reino e a carne do meu corpo em vão.

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quarta-feira, 22 de abril de 2009

ESTAMPA

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nos coretos villa lobos
nas varandas radamés
longas doses de vinícius
guimarães e seu viés

que o moço reconheça
no modo que tem vida
a vida que o modo dá
e que dele nunca esqueça
em qualquer lugar que vá

levando sempre pra troca
de teu o melhor que há
guardados dentro de casa
ou nos cantos do quintal

faça do que és, as asas
que sempre te levarão
voando junto, palavras
e o enlevo de uma canção

nos coretos villa lobos
nas varandas radamés
longas doses de vinícius
guimarães e seu viés


MQ
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PAULO CESAR PINHEIRO - RIO DE JANEIRO

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RIO DE JANEIRO

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1° ENCONTRO ESTADUAL DE MÚSICOS (RJ)

A COMUSI - Cooperativa de Músicos Independentes do Rio de Janeiro - realizará o 1° ENCONTRO ESTADUAL DE MÚSICOS na próxima terça-feira, dia 28, na sala Baden Powell. Na pauta, assuntos importantíssimos como Política Cultural, Plano Nacional de Cultura e as Diretrizes para a área da Música, Nova Lei de Direito Autoral, Mercado de Trabalho - Entidades, Representação e a Informalidade, Seguridade Social - Difusão e Suportes - Jabá e novas Mídias, Emendas Constitucionais e Projetos de Lei Relacionados à Música.

Se você é músico no Rio de Janeiro, não pode perder esse encontro. Quer saber mais sobre o evento? Envie email para
presidencia.comusirj@gmail.com.

1° ENCONTRO ESTADUAL DE MÚSICOS
SALA BADEN POWELL
Av. Nossa Senhora de Copacabana, 360
Copacabana - Rio de Janeiro
28 de Abril
15 horas

Informações de Léo Borges - Presidente Comusi

NICE PINHEIRO - http://www.nicepinheiro.blogspot.com/
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GLAYSON ARCANJO - GOIÂNIA

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segunda-feira, 20 de abril de 2009

EITO - Dentro da Palavra

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Eito

Marcos Quinan / Marco Antonio Quinan

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Voz: Eudes Fraga

Arranjo: Eudes Fraga e Chiquinho Chagas

Violão: Eudes Fraga

Acordeon: Chiquinho Chagas

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Encontre na www.ladodedentro.com.br

RODA VIVA

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RODA VIVA DISCUTE E A HISTÓRIA DO BRASIL: QUE PAÍS É ESSE AFINAL?
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O historiador Carlos Guilherme Mota, autor de dezenas de livros, ensaios e artigos, nos quais revisa e interpreta a história do Brasil e apresenta a nova perspectiva do país como nação, é o entrevistado o Roda Viva desta segunda-feira, dia 20.

Em um trabalho acadêmico de mais de quatro décadas, Mota apresenta os acontecimentos e personalidades que marcaram os rumos e a construção das idéias brasileiras e revela em seus estudos a movimentação política e social do país, buscando o significado das raízes e a formação do povo.

Carlos Guilherme Mota discute as formas de pensamento e a ambigüidade do povo brasileiro, contrariando a idéia de que o país é manso, de língua única e sem contradições. Ele analisa quem influenciou o povo brasileiro durante os mais de cinco séculos de história e diz que ainda existe um Brasil a ser descoberto. Interessante, não? Pois é...

Formado em história pela Universidade de São Paulo, onde seguiu carreira acadêmica até se tornar professor titular de história contemporânea, Carlos Guilherme Mota também dá aulas de história da cultura na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie.

Participam como convidados entrevistadores: Oscar Pilagallo, jornalista e autor do livro A Aventura do Dinheiro e da série "A História do Brasil no Século XX", da Publifolha; Claudio Lembo, advogado, ex-governador de São Paulo e secretário de negócios jurídicos da Prefeitura de São Paulo; Robinson Borges, editor do caderno de cultura do jornal Valor Econômico; Mônica Manir, editora do caderno Aliás do jornal O Estado de S. Paulo.

Twitters no estúdio: Lilian Starobinas, historiadora (
http://twitter. com/liliansta) ;

Robison Silva, estudante de história (http://twitter. com/robson_ leandro);

Cadu Simões, historiador (http://twitter. com/cadusimoes).

Fotógrafo convidado: Michell Zapa, designer (
http://flickr. com/michellzappa)

Apresentação: Heródoto BarbeiroTransmissão ao vivo, pela Internet, a partir das 17h30.

O Roda Viva é apresentado às segundas, a partir das 22h10. Você pode assistir on-line acessando o site no horário do programa
http://www2.tvcultura.com.br/rodaviva

Fonte: Nice Pinheiro - http://www.nicepinheiro.blogspot.com/
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sábado, 18 de abril de 2009

CAMILO DELDUQUE

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O Zé João morreu


Quem sabe assim, lá por cima sobre as nuvens, o José João da Silva descanse. Lugar de santo é mesmo no céu.


Negão imponente montado em um largo sorriso branco, operário carpinteiro pela graça divina, o Zé João brincava dizendo que aprendera parte do ofício marcando, por hora, os degraus da escada do trapiche de Bujarú; de acordo com a subida da maré. Com grande maestria sabia usar as largas mãos habilidosas. E sempre festejava no sorriso a humildade de não saber mandar e sim executar as artes de sua profissão.

Estudantes de engenharia e arquitetura, estagiários crus, muitos, aprenderam com o Zé vendo e olhando a feitura dos telhados, a constituição dos planos de cobertura, o carinho do corte correto das madeiras, a arrumação dos ganzepes nos assoalhos, o alinhamento das telhas, o entarugamento das forrações, os componentes da esquadrias. Enfim todos tiveram o prazer de aprender um pouco da sabedoria daquele homem simples.

Trabalhador honesto satisfazia-se com as migalhas que recebem os operários da construção civil. Era explorado mas tinha a grandeza de precisar somente do necessário e não necessitar de explicações sociológicas para ser feliz.

O Zé tinha um martelo enorme. Quando o empunhava era um maestro segurando a batuta fazendo o seu som de construção. Um belo som. A melodia de graça para quem ele, às vezes, nem conhecia.

Os anos passaram e o José João da Silva, depois de contribuir para governos; Sindicatos e outros abstratos ladravazes; aposentou. Mas só na carteira, com o salário de merda que o INSS oferece às caveiras do seus contribuintes de anos a fio. Assim o Zé precisou voltar a trabalhar porque conseguiu uma casa na Cidade Nova e queria reformar aquela velhacaria habitacional feita mais para lubrificar a lábia dos políticos que para abrigar o valoroso José João da Silva. Quando o Zé iniciou a reforma a adaptação da casa - com projeto elaborado - teve o sobressalto de ser multado exatamente pelo Crea-Pa; pelo Conselho de engenheiros e arquitetos que mama do suor alheio os proventos para as suas idiossincrasias. Ninguém perguntou para escutar a história de vida honesta do velho operário competente que sabia fazer mais bonito os sonhos alheios. Ele mesmo que ensinou aos técnicos teóricos a prática de executar não podia, agora, remendar a sua própria casa. Nesse dia o Zé João não precisou chorar porque ele era acima dessas mesquinharias encravadas na burocracia dos panacas.

Agora o José João da Silva morreu. E com ele uma sabedoria que não se aprende na escola.

O poeta Hélinand de Froidmont monge francês da Idade Média escreveu na 9ª estrofe do poema "Os Versos da Morte": Morte... os prudentes têm muito pouco / Mas o avarento não está feliz / Porque ele não sabe nada possuir /....Morte, que boa peça seria te pregar/ Acertar a pobreza e / Ir nu para ti quando tu queres.

O Zé subiu. Com certeza nu para ficar lá em cima sobre as cabeças das pessoas miúdas que mendigam o saber que só cabe inteiro nos homens humildes.


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MISTURA DE RAÇAS - Entreatos

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Estava ali sozinho, viera a pé para espairecer, gostava de andar naquele pedaço da cidade.


Chegou, estava começando; falou com o escritor que dava autógrafo, pegou o seu. Falou com alguns amigos, tomou café, folheou alguns livros, conversou com uma amiga que chegava, conheceu duas ou três pessoas novas e já ia começar a se despedir quando se sentiu estranho, uma pequena tonteira, um embaçar das vistas. Por segundos as luzes se apagavam e reacendiam lentamente, alternavam cores e, em momentos, pareciam ter um brilho muito intenso.

Imaginou-se desmaiando e procurou aproximar-se de uma amiga. Pálido, avisou que estava passando mal, estava sem carro e que, qualquer coisa, o levasse a um hospital. Ela, preocupada, constatou a palidez; tocou sua testa, chamou uma pessoa que ele não conseguiu identificar, não enxergava mais.

Rapidamente deitaram-no no chão, trouxeram-lhe água; juntaram-se curiosos e a médica fez perguntas que ele nem ouvia direito.

Um carro já estava colocado em posição de levá-lo, quando a médica, rindo muito, pediu para trazerem um copo de vinho.

Voltou para casa sozinho pelo mesmo caminho, chutando pedras, envergonhado e xingando o arquiteto que planejou a iluminação do espaço cultural alternando as cores e a intensidade com que eram trocadas, para simbolizar a mistura das raças.

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MQ
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FILOSOFANDO

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O homem precisa menos,
muito menos,
de "direitos humanos"
e mais, muito mais,
de "deveres humanos"
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MQ
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sexta-feira, 17 de abril de 2009

BANDA DE PÍFANOS DE CARUARU - 1924

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A Banda de Pífanos de Caruaru é sem dúvida o mais conhecido grupo de pífanos. Foi criada em 1924 por Manoel Clarindo Biano, que ensinou antigos toques aos filhos Sebastião, de 5 anos, e Benedito, de 11. Recrutou depois o amigo Martinho Grandão para assumir, junto com ele, as percussões. A família Biano percorreu o sertão de Alagoas e Pernambuco por mais de uma década, tocando em festas, casamentos, novenas, enterros e tudo o que viesse. Nas andanças, acabaram parando em Caruaru, em 1939, cidade que verdadeiramente os consagrou. Em 1955, pouco antes de morrer, o patriarca do grupo pediu aos filhos que não deixassem que essa antiga tradição se perdesse. Para tanto, os filhos deveriam juntar ao grupo os demais familiares. Assim o fizeram. Luiz, de 9 anos, Amaro, de 10 anos, (filhos de Sebastião) Gilberto, de 15 anos, e João, de 11 anos (filhos de Benedito) formaram uma nova banda, batizada com o nome de Banda de Pífanos de Caruaru.


O primeiro disco foi gravado somente em 1972, depois que Gilberto Gil os encontrou e gravou “Pipoca Moderna”, com letra de Caetano Veloso. Nesse mesmo ano, se transferiram para São Paulo, onde sopraram seus pífanos em documentários, espetáculos e discos de outros artistas. Benedito era analfabeto e fabricava seus próprios pífanos. Quando tocava em espetáculos, dizia:


"Eles que afinem pelo meu instrumento, porque aqui entre nós é proibido se meter a entender de escala".

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O POVO DO BELO MONTE XIII - Brás Teodoro

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Decerto eram sete as feras fechando o cerco antes que a desordem encontrasse circunstância. A paixão de ser, vingando o homem que nenhuma mortalha vestia, a implacável ferocidade que sabia mas não entendia a lealdade e a anomia entre os despossuídos. Sobrepunha heresias drenando consciências. Coisas de bestas-feras.

A fome não significava ao corpo. A morte não significava à alma. Nenhuma vontade havia de qualquer entendimento. O trabalho infamante da mentira passava longe da esperança e da dignidade.Eram leis vestindo a justiça e doando seu amargo.

As feições sustinham os horrores do mundo e atiçavam com os braços invisíveis o ar adusto que engolia a vida. As bestas andavam íntimas, me escurecendo o sangue com fezes e restos de suas bocas imundas. O homem morria dentro, e eu me sentia morrer nele. Meu corpo entorpecia padecendo em nós dois.

Nenhum Comandante de Rua era vivo na madrugada da guerra. A mansidão do Belo Monte tinha sido maculada pelo feroz dos homens. O mau cheiro punha entranhas no ar; matilhas comiam cadáveres e os urubus mal esperavam a aurora; gemidos atraíam os seres rastejantes da caatinga; um sombrio tingia a vontade dos vivos e deles nada havia por nascer.

Rezavam a valentia da vida e destemiam o jeito da morte. Estavam salvos enquanto apodreciam juntos. Assisti à morte fazer o rol das almas por entre os escombros, sorrindo dizer... fartura... fartura... e ensaiar anotações quando descobria alguém ainda vivo.

Ouvia os soldados gritarem: – num dêxa jagunço vivo... num dêxa ninguém vivo... é orde...! E a ferocidade se apossava de todos; o chão chiava como se quisesse se movimentar e engolir o combate; resvalo de balas, sangue esguichando pra todo lado, choro de mulheres e crianças sendo cortadas num talho só. Era a besta-fera solta e o mau cheiro de corpos insepultos apodrecendo dentro dos casebres, fazendo monturos pelas ruas; crianças avançando de zagaia em punho. Um delírio! Era o cego gritando no ouvido de cada um, mesmo dos mortos, sua cantiga de enxergar:

Recolham as armas
E salguem os punhais
Que a aurora seja perfumada
E a lua nasça nos quintais
E nas ruas corram proclamas
Desobrigando os leais
É chegada a hora
Da confiança nos beirais
Uma nova lei escrita
Nas canções dos desiguais
Deixando o amor nascer
Na verdade dos mortais
Recolham as armas
Selem os sinais

O rosto crispado, um misto de medo e soberba bem na minha frente, apontando a arma na minha direção, quase encostando a ponta no meu peito. Um disparo seco e a impureza de sua brabeza passando dentro do meu corpo. Entendia restar vivo e desentendia a velha mulher armada apenas com seu grito: “viva Antônio Conselheiro... viva o Belo Monte” - ser morta pelo balaço.

Por sobre minha cabeça um ricocheteio de projéteis nos contrafortes; os marrotes da caatinga ampliando o som dos tiros, de tambores e cornetas comandando o assalto em meio aos gritos dos feridos.

O desespero correndo entre mulheres e crianças; tempestade cuspindo fogo, abatendo sem distinguir os mais fracos. A dor se invejava e queria mais sujeição. Soltava seu rastro no mais cruel dos combates. Por entre a taipa pintada de tauá coberta de palha, um trucicó de pernas e braços de cadáveres apodrecendo; juntas cortadas, membros mutilados e faces com os olhos perfurados.

Varapaus inertes na mão dos mortos. Foices, ferrões e chuchos defendendo a igreja arruinada e a maior parte das ruas do Belo Monte. A defesa dos poucos sobreviventes era comandada pelos últimos da Santa Companhia. Ensandecidos pelo desamparo e crueldade, imolados pelo fogo entre escombros, gangrenas e cadáveres insepultos... um esparrame de vida engolida pela morte e o servilismo dos algozes.

Da Igreja Velha os disparos sustentavam a batalha inteira. A coragem assombrava o inimigo e os próprios agredidos. Feridos abandonados atirando do parco conhecimento no manuseio de munições e armas abandonadas.... um ar morrediço espalhando a mortalha do esquecimento.

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A palha ardendo e ele atrás da tapera do Solobro esperando, já vestido de soldado, se misturar a eles. Passaram uns quatro, o último com uma bandeira na mão, quando o puxou para sangrar, sentiu aquela dor no rosto, nas costas e a escuridão adensando.

Zé do Tucano em delírio se misturava ao barulho das balas ricocheteando rente à cabeça; as palhas ardendo, o fogo, a fumaça, o rosto do soldado que ele arrastava para tomar o uniforme lhe vinha na mente. Ouvia as palavras de Severo na última reunião da Guarda Católica destacando quem ia furar o cerco e ajudar pela retaguarda, atacando o comando das tropas e avariando a matadeira.

Em lampejos de consciência, lembrou-se do Tucano, onde nasceu, o pai morto de morte matada; a mãe enterrando filho por filho, seca por seca até resolver seguir João Abade e o Beato. A casa de taipa, a beleza da mãe, a procissão de Uauá. Lembrava misturada com Caluta, a guerra... - agüenta Da Luz, delirava.

- Queria casar com Caluta... lembrava e desfalecia e voltava a lembrar: - “mãe... ela quer.. Dindinha ensina escrevê e contá, Caluta... ensino ocê... fazê breu... Dindinha... venera!” Misturava tudo. “Caluta... reza ...reza...reza... acode a igreja nova... Zé Preto... num morre Pichim, güenta home de Deus...“

Os benditos e ladainhas rezados por todos na igreja, perpassando no meio da luta e no seu torpor... o alvitre do santo pai Conselheiro..... “atira, atira Dalfredo...” a matadeira estrugindo... o cheiro de vela, a voz do santo Conselheiro pregando na igreja velha. No fio de memória lembrou Cabeção sangrando o soldado no barranco do Vaza-barris. “Rogai por nós, meu santo.”

“Os urubus.. na vila... vamo interrá .... Padre Santo... dona Duca... Mããããe...! mortos...tantos mortos... Quenzim, explodindo atrás do tabique, Caluta num chora, corre pra igreja... sem munição Severo... vai no punhal Severo... tira as mulhé daí, o fogo vem cumendo pela rua do Pedro Cacho... Tudo girando... acode meu santo! vamo arretirá as arma deles... amuntoa no beco.... minha mãe... insídia, um batalhão de soldados estugados, protege, meu pai Conselheiro...”

De longe, vi quando Zé do Tucano mexeu a perna e foi levado como se fosse um soldado.

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Vivíamos aprisionados, Anabel na sua juventude, eu na minha velhice. Nada podíamos fazer. Eu, só podia mover as horas pra trás na imaginação. Ela talvez pensasse ser tudo possível, a vida exuberava a sua volta. Confuso me sentia e misturava tudo. A cabeça doía, não sabia a serventia de tanta coisa que via ao meu redor. Como se saísse do meu corpo e assistisse à vida e à morte se invertendo em contundência. Não entendia os homens, o relógio, os cães, o que existi e nada do que sentia.

Uma intensidade vinha no meu peito, o corpo ensaiado na vida toda se punha em gozos e enlevo. Tinha Anabel e no instante seguinte essa plenitude virava dor. Os momentos inventados flagelavam-se. Misturado ao real, o imaginado sujeitava minha memória. Era a agonia da angústia gemendo alto.
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MARIANÊS ZABOT

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SÃO FRANCISCO XAVIER - SP
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quinta-feira, 16 de abril de 2009

WALTER FREITAS E RAFAEL LIMA

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VEREDA BRASIL

Teatro Margarida Schivasappa
CENTUR - Belém-PA
20 h
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CHEIO DE MORTE - Entreatos


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Sabia o quanto tinham sido caros, o amor e a paixão misturados a tanta mágoa. Sabia que não sabia da dor, ajudando a enterrá-los. Será que o perdão fora exumado? Em que momento eles foram morrendo? Perguntava-se.


De alguns não se lembrava exatamente quando e como aconteceu, era como se tivesse convivido com eles em decomposição. Talvez por intuição ou teimosia restasse alguns dentro de si.

Seria algum tipo de ressurreição - a reflexão - não aceitar, aceitando? Teria sentido, algozes cheios de vida, perfumar a lâmina? A razão banhar e vestir o sentimento sem assinar o óbito, sem conduzi-lo até o fim? Perguntava-se.

Muito não sabia; queria ter estado presente em cada enterro, mas a morte era assim, colhia só o instante, como numa plenitude e cada sentimento, em seu último alento, prometia recorrências; ficariam mantidos nos sentidos, como membros amputados, vivos por dentro.

Havia morrido demais, vivido demais e sentia nostalgia, saudade, rancor e autopiedade; eram os fantasmas assombrando.

No ser, a angústia sustentava carpideira os velados e os indigentes, com sua voz estridente. Urgência acompanhando a criatura insepulta, mas cheia de morte.

MQ
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AUGUSTO DOS ANJOS

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O LAMENTO DAS COISAS

Triste, a escutar, pancada por pancada,
A sucessividade dos segundos,
Ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos,
O choro da Energia abandonada!
É a dor da Força desaproveitada,
- O cantochão dos dínamos profundos,
Que, podendo mover milhões de mundos,
Jazem ainda na estática do Nada!
É o soluço da forma ainda imprecisa...
Da transcendência que se não realiza...
Da luz que não chegou a ser lampejo...
E é, em suma, o subconsciente ai formidando
Da Natureza que parou, chorando,
No rudimentarismo do Desejo!

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